sábado, 16 de abril de 2011

O TROTE - parte V

Castelo - Rio Tocantins (Foto - jjLeandro)





Continuação....

                                           O TROTE          V


Relaxei daí em diante. Senti-me o dono do mundo. Tinha cerveja à vontade, uma mulher nua na cama — a beleza não importava —, no momento não importava sequer o amor a quem descobria o prazer carnal. Pegando por empréstimo a rasa filosofia do Udinei — sorri por dentro ao imaginar como ele se virava com a outra —, julgava fechado o círculo com a parte que faltava para o domínio da arte de amar. Um pensamento narcisista resumiu o meu estado de satisfação: impossível que me segurassem doravante. A cerveja tornara-me mais audaz e Cristal mais concessiva. Mas bastou que ela novamente colocasse o seu primoroso empirismo em ação para eu ser obrigado a rever, com extrema brevidade, meus princípios filosóficos a quem a euforia tão apressadamente consagrara solidez. Seus variados dotes na cama provaram-me que o sexo tem uma encruzilhada no meio que nos leva a caminhos de diferentes prazeres.   
O corpo lasso na cama, o pensamento voando longe, foi ocasião oportuna para Cristal aconchegar-se a meu lado, também extenuada. Não sem antes me ter servido mais bebida e distribuir-me pelo corpo uma quantidade enorme de beijos. Seguiu-se uma pausa, mas antes que o silêncio se expandisse sobre nossos corpos saciados como mortalha, ela atreveu-se quebrá-lo com a história de sua vida. Como não pedi que parasse, por conta própria pausou. Parecia pausa adestrada por acontecimentos passados. Num suspiro, que era um desabafo, revelou que os clientes não toleravam sentimentalidades.
— E o que dizem? — perguntei entre goles de bebida.
— Mandam eu parar imediatamente. Há deles que até me batem.
Fiz uma careta, misto de espanto e riso pela quantidade de cerveja ingerida.
— Quer um cigarro? — ofereceu-me enquanto acendia um Charm para queimar ilusões.
Peguei um dos longos cigarros, acendi-o no que ela já fumava, e enquanto executava a tarefa senti seu hálito próximo de meu rosto numa intimidade que não existira ao transarmos. Exalava-o aos trancos, nervosamente. Pilhéria uma mulher cheia de tretas sobressaltar-se diante de um adolescente. Sem entender o torvelinho de sentimentos que a agitava, num gesto imponderado, afaguei seus cabelos compridos. O meu gesto arrancou-lhe outro suspiro, longo agora — marcando o relaxamento de todos os seus músculos. Seus olhos fecharam-se por uma fração de tempo, para mim um átimo, mas que para ela pode ter representado uma eternidade.

Imaginei seu sofrimento naquela vida. Imaginei o último carinho que recebera se a sua profissão permitisse isso. Naturalmente experimentava por ela uma aproximação empática. Vivíamos situações semelhantes de descoberta e de ausência. Apertei-a contra meu corpo, o corpo dela tremeu como se agitavam os das colegas de aula tocados no escuro da boate Itapuã. Deixou-se conduzir como eu bem entendesse. Dera-me a primeira noite de sexo, eu estaria dando-lhe a primeira noite de amor? Era essa expectativa que tornava o seu fôlego asmático e transia seu corpo com frêmitos da sezão? A súbita afeição por ela impediu-me de continuar tratando-a como uma puta. Esses questionamentos sumiam no escuro do quarto junto com a espiral da fumaça de meu cigarro. Escondia, como qualquer mulher, sonhos inconfessos? Sua condição era obstáculo a uma revelação? Quis descobri-los sondando seus olhos. A penumbra era sua aliada na recusa. Mas não foi preciso maturidade, nem clarão de luzes, as lágrimas que boiavam em seus olhos revelavam tudo. Percebendo que eu flagrara o seu choro silencioso, cujos vestígios ela — mais que depressa — fez desaparecerem na colcha suja da cama, desejou não aparentar carência, mas revelou-a inteira:
— Puta é sempre assim, tem todos os homens e não tem nenhum.
Lancei círculos de fumaça no ar sumidos na escuridão. Enquanto via desaparecerem, desviei o fio da conversa para que não rompesse em prantos. Quis saber o porquê do seu nome, curiosidade que me roía desde a hora em que nos apresentamos. Era a primeira Cristal que conhecia.
— Cristal?
— Sim.
—Foi escolha de minha mãe. Era a dona desse cabaré quando a febre dos garimpos dominava a região e os homens vinham buscar dinheiro no banco daqui. Foi o tempo em que ela mais sorriu e também mais chorou.
— E por quê?

jjLeandro


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