sexta-feira, 27 de abril de 2012

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O SAUDOSISTA

Foto: http://avidanoanode2012.blogspot.com.br/2011/10/worldrevolution-ii-os-indignados-do.html



O velho mandachuva, órfão da Ditadura, parceiro de tantos outros biônicos da política já extintos, enfrentava protestos que se avolumavam dia após dia, exigindo a sua saída do cargo por corrupção. A pressão nas ruas punha-o em palpos de aranha, para usar expressão vigente em seu tempo mastodôntico. A onda de protestos não era coisa a que estivesse acostumado. Vinha embalada pelos ares democráticos, coisa recente, que julgava tão ruins quanto os atmosféricos à sua frágil saúde, fazendo-o perder o controle dos nervos pela absoluta falta de adaptação à nova realidade. Mas também pudera: forjara a carreira subindo à custa dos favores recebidos dos mandatários superiores pela execução de tarefas escusas capazes hoje de corar até defunto. Em suma, sentia-se acuado pelos abundantes protestos.
Um dia ouvia de um assessor:
— Está na imprensa um artigo falando mal do senhor.
Sem tempo para descanso, no outro dia a ladainha continuava:
— O palácio está cercado por manifestantes.
Outro lhe segredava ao ouvido:
— Há um abaixo-assinado na internet exigindo sua renúncia.
Para aplacar a ira popular, quis até ensaiar o suicídio diante do grande espelho do salão nobre do palácio, apontando um revólver para a cabeça, choramingando com palavras gastas pelo tempo: “saio da vida para entrar para a história”. Um assessor desarmou-o rapidamente, não tomando a arma de sua mão, mas denunciando o plágio:
— O senhor tem que ser original, convincente. Isso já foi dito antes.
Completamente apavorado pediu socorro, afinal assessor era bem remunerado, tinha parentes às pencas no governo e ele mesmo fechava os olhos para as comissões que recebiam com a finalidade de que nos apuros lhe iluminassem o fim do túnel:
— O que fazer, Charles Waterfall? Diga-me, estou quase me afogando.
Sim, era tal o anacronismo em sua administração que o principal assessor era ainda um americano, dos que a Ditadura trouxe para transferência de know-how na espionagem.
A resposta veio na lata, ardilosa.
— O senhor tem que se apropriar da bandeira deles.
Recobrou imediato a energia.
— Vá lá fora e tome uma dos manifestantes.
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Não foi? Eu ouvi bem! Você falou em português.
— Eu quis dizer que o senhor tem que se solidarizar com eles, bater duro na corrupção. Deixar claro que também está triste e enlutado por causa de tanta patifaria de que o senhor não tinha conhecimento. Que também quer a moralização da coisa pública. Que jamais perdoará a traição dos escalões inferiores tramando às suas costas.
— E não vou me prejudicar com isso? — disse azedando a cara.
O assessor convenceu-o que tudo não passava de agá. Não é assim que se diz? Conversa para boi dormir, para inglês ver. Os exemplos são abundantes. E ele saiu aliviado para ter com o pessoal da comunicação do palácio. Providenciaria imediatamente uma faixa para colocar entre as duas palmeiras imperiais à frente do paço.
No dia seguinte ela estava lá, confessional, em negras letras garrafais com a assinatura do velho político abaixo: ‘LUTO PELA CORRUPÇÃO’.

 jjLeandro

domingo, 15 de abril de 2012

MOSSORÓ TEM CACHOEIRA, TÁ NA MÍDIA

– Mossoró tem Cachoeira — o filho comentou com o pai tão logo chegou em casa.
O velho, intrigado, olhou de esguelha. Mas nada disse.
Dizem que o melhor lugar para aprender é na escola, por isso ele furtou-se a qualquer protesto. O velho era potiguar, descera para Goiás havia mais de três décadas fugindo da aridez nordestina. Vinha agora o filho, de volta da aula, falar que Mossoró tinha Cachoeira. Papo furado.
— Num é papo furado não, pai. Tem agora grande Cachoeira capaz de inundar o Brasil inteiro. Apesar de estar lá, o Centro Oeste foi a primeira região a sofrer sua influência.
Novo olhar silencioso do velho. Entretanto sua cabeça estava a mais de mil. “Esse menino mente”, pensou. “Mas Primeiro de Abril já passou, impossível que seja mentira. Quem sabe uma professora mal informada. Sei que lá tem muito é sal”.
— Nada disso, pai — o moleque parecia adivinhar seus pensamentos. — Lá não tem só sal não. Mossoró tem Cachoeira, tá na imprensa a grande notícia.
O velho enfim rompeu o silêncio, se o moleque adivinhava seus pensamentos, melhor ele mesmo expressá-los, pareceria menos ridículo.
— Filho, não me espanta isso tudo — declarou resignado. — Vejo mesmo que o mundo tá perdido. Não se sabe mais aonde o homem vai parar com esse negócio de mudar a natureza. Bem que o velho Conselheiro um dia disse ‘o sertão vai virar mar’. Conseguia prever tudo, que santo homem! — e pensou que o filho tinha também um pouco das faculdades premonitórias do beato, não estava lendo seus pensamentos? —, só não sabemos o que pode acontecer com tanto desequilíbrio ambiental. Se o mundo corre risco, o Centro Oeste já tá inundando, ao menos o Nordeste pode estar salvo da seca. Vou já pra Mossoró conhecer tal Cachoeira. Onde é lá que fica mesmo, filho?
— Pai, quando chegar lá procura o Carlinhos. Ele vai ser seu guia no banho de Cachoeira.  
O velho voltou-se com uma interrogação no semblante.
E o moleque completou o itinerário em tom de troça:
— É no Presídio Federal.
“Deve ser bairro novo da cidade” inferiu o velho dirigindo-se ao quarto para arrumar as malas. Estava contente com o crescimento de Mossoró nas três últimas décadas.

jjLeandro

segunda-feira, 19 de março de 2012

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O revolucionário estádio da Copa

A possibilidade e o temor — não injustificados — de atrasos no cronograma de reformas e construção de estádios para a Copa do Mundo de 2014 têm ofuscado uma observação de fundamental importância e que deveria estar na ordem do dia no país: a capacidade criativa de engenheiros e arquitetos brasileiros. Deveria ser mais observada que os orçamentos dessas obras que se inflacionam da noite para o dia, levantando suspeitas de superfaturamento que em pouco tempo — se confirmadas — podem requerer não tapetes mas gramados para esconder irregularidades. Neste jogo de gato e rato em que se enredam a imprensa, os políticos e os cartolas do futebol, os torcedores em meio ao fogo cruzado com o coração na mão, perde-se a oportunidade de comprovar quão revolucionários e criativos somos. E isso, claro, iria ratificar que Oscar Niemeyer, aplaudido no mundo todo, não foi só um feliz acidente de percurso da engenharia nacional, pouco provável de voltar a acontecer.



Bom que se diga que o frisson da Copa gerou uma onda criativa até em arquitetos de cidades que sequer serão sobrevoadas pelos aviões com delegações nacionais ou turistas. Nem por isso esses profissionais sentem-se excluídos neste mundo que já foi Aldeia Global e hoje é uma Grande Rede. Um amigo meu que o diga. Arquiteto inquieto, há muito preparava um projeto revolucionário de estádio que ‘não faria feio diante dos rebuscados, caros e ineficientes elefantes brancos de sedes e subsedes da Copa’, como se referia ao abordar o assunto. E eu cá com os meus botões, como é usual dizer aqui no interior, pensava que ele era bem capaz de um disparate iluminado. Seu histórico profissional conspirava a favor de minhas suspeitas. Fora ele que projetara o shopping da cidade — ideia excêntrica abandonada em boa hora — que previa, e aí está o mais fantástico!, uma escada rolante ambulante para acessar o mezanino deslocando-a para qualquer ponto de sua frente de mais de cem metros. Fiquemos só com esse exemplo porque outros tais são também de tirar o fôlego.



Ostrich, como o chamarei — isso é codinome pois não sou de fazer publicidade grátis —, pôs mãos à obra e me cientificou que trabalhava de forma revolucionária. Até nas folgas entre as sucessivas horas de trabalho em seu escritório, arejando a mente com goles de cerveja, não desviava a atenção de seu projeto. Sonhava: ‘Ah se eu tivesse a oportunidade de vê-lo aprovado como um dos estádios da Copa’. Voltava imediato ao escritório elevando seus sonhos em espirais da fumaça do cigarro.



Belo dia chegou ao bar onde eu estava com um grande sorriso no rosto. Era daqueles que autenticam certeza. O que será?, intriguei-me antes que se expressasse com palavras. Era o projeto de Estádio Revolução, como o batizou. Abriu o papel sobre o feltro verde da mesa de bilhar, para onde me arrastou após arrancar uma grande pasta de dentro do carro.



— É ele, veja! — exultou, quase me exigindo aplausos.



Rasgou ele mesmo elogios ao projeto. Era um arquiteto que odiava tudo que era estático.



— Veja — continuou, apontando o desenho com o dedo marcado pelo sarro do cigarro —, as arquibancadas são móveis. Deslocam-se de um lado a outro do campo. Não é genial?



Engrolei um comentário que ele atribuiu a minha estupefação diante de sua obra-prima.



Manteve por alguns segundos um silencioso suspense, para potencializar o efeito sobre mim da verdadeira revolução por fim revelada com a mesma vibração de um jogador após dar xeque-mate em decisão de título mundial de xadrez.



— O gramado tem inclinação de 45 graus de um gol a outro. Essa é a grande revolução de meu projeto, não a simples e repetitiva modificação das linhas de concreto e aço. Está, pois, no novo conceito de utilização do gramado a grande revolução.



De fato não era para menos, fiquei boquiaberto. Mas não dispensei um comentário que qualquer outro arquiteto tomaria como demolidor de seus devaneios.



— Ostrich, como os times vão jogar? Um vai estar em desvantagem.



O seu sorriso iluminado era a negativa de uma rendição.



— E eu não pensei nisso, então? Pra que temos dois tempos no futebol? Pra que as coisas se equilibrem. No segundo tempo, a vantagem troca de lado, ora.


jjLeandro

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

GRADAÇÕES DO SOL NASCENTE

O Sol ainda não nasceu. Borra o horizonte com as cores lilás e rosa. (Foto- jjLeandro)

O Sol já se insinua na linha do horizonte. As cores agora são amarelo e laranja. (Foto - jjLeandro)