sexta-feira, 15 de abril de 2011

O TROTE - parte IV

                                                        Casarão na Praça Cândido Mendes - Carolina - MA







As duas vieram determinadas para cima de nós. Udinei, um pouco adiante de mim na sala, mais próximo do início do corredor, foi logo abraçado pela puta da frente. Talvez tivesse ela os nossos mesmos dezessete anos. A que deu dois passos a mais e me beijou no rosto não tinha mais que vinte e cinco anos, mas passaria ali fácil, fácil, consoante a regra, por uma mulher de mais de trinta.

Sentaram-se descaradamente em nossos colos. A minha agitou a vasta cabeleira lisa, jogando a cabeça para trás, enquanto dizia:
— Cristal, e você?
— Júnior.
— É a primeira vez?
Que indiscrição, pensei. Por isso resolvi-me pela desfaçatez, pregando-lhe uma nada convincente mentira saída após pigarros e vacilos na voz:
— Aqui sim, a primeira vez.

Udinei, ao lado, era só quem falava. Na realidade cochichava no ouvido da sua puta, que escutava com atenção. Presumi estar sendo mais ovidiano que Ovídio na Arte de Amar, procurando castidade no amor libertino. Enlevada em seu colo, ela bebia as palavras que o baixinho dizia. Que poltrão, será que teria sucesso na cama? Tagarelar sem parar era estratégia para não permitir brecha a um convite para a ação. Ali não havia mulher para derrubar na lábia, não estávamos na boate Itapuã com as colegas de aula, conversa ali era pura perda de tempo. Para mudar drasticamente o rumo da arenga interminável, com risco de pedir namoro à donzela conventual, quase aos berros, propus: cerveja para todos! Udinei saiu do transe verborrágico com uma objeção fruto de seu medo de alterar o quadro: e aqui tem isso? Tinha sim, a noite fora bem planejada por Crisóstomo. Viveríamos ali o céu e o inferno numa noite só. Ah, velhaco! Cristal foi lá dentro, sumindo no corredor escuro para retornar pouco depois com copos e cerveja gelada. Inicialmente sorvi grandes goles, levando Cristal a suplicar que lhe desse mais atenção: calma, menino, lá dentro tem mais. Abortou com um beijo o sorriso que ameaçou aflorar em meus lábios quando virei o rosto para olhá-la. E ela decidiu trabalhar sem mais demora, pondo fim a minha lerdeza. Agarrou minha mão, arrastando-me para um dos quartos enquanto dizia baixinho com despudorado profissionalismo: com puta num carece pedir licença. Em boa hora ela desfizera o nó que me mantinha paralisado: não saber iniciar a ação. Em consequência, a excitação que já era grande deu um salto que quase extrapolou meu corpo. Eu flutuava, sim, flutuava; meus passos não mais repercutiam no soalho gasto e frágil. Perdera os cuidados com o precipício sob nossos pés. Andava sobre nuvens. Com o ânimo em polvorosa, desculpem-me os que me leem agora, não observei o novo ambiente, portanto não posso descrevê-lo. Só posso dizer que o quarto era uma extensão da miséria da sala. Perfeitamente claro, pois, que a miséria ali era metástase que não se contentava com um único cômodo da casa.

Em pouco tempo perderam-se na distância os gritos e gemidos da fulaninha do Crisóstomo. As conferências do Udinei não eram mais que algaravia varrida para os confins do cérebro pelo desejo que me agitava o sangue, tornando-se imediatamente, até a extinção, suave rumor incompreensível. Livre de interferências externas, corpo relaxado pelo toque de mãos habilidosas que jogaram no chão o uniforme do colégio e o roçar lascivo de outro corpo, consegui a sintonia de todos os sentidos para o sublime exercício da primeira vez. Em meus braços, o amor transpareceu cristalino; cristalizou-se livre dos véus que a angústia da espera só aumentava. Cessada a grande agitação na velha cama que nos deixou escorrendo suor pelas pernas e braços, Cristal, nua, levantou-se e finalmente abriu a janela. Uma súbita lufada de brisa fresca vinda do rio arrepiou meu corpo também em pelo. Acolhi com um sorriso de prazer a primeira sensação corporal após o inaugural orgasmo em comum. Representou um batismo. O batismo que me tornava homem. E foi com voz de homem, espreguiçando-me na cama, olhos fixos na noite benfazeja que invadia o quarto pela moldura da janela, um turbilhão de sensações na cabeça, que quis comemorar tudo aquilo com mais cerveja.  


jjLeandro



Nenhum comentário: