quarta-feira, 13 de abril de 2011

O TROTE - parte II

A continuação...


II

À noite, descemos a ladeira do rio em vez de ir ao colégio. Não houve como evitar os uniformes; deixamos os livros em casa, alegando dia de prova. Crisóstomo, com rigores de professor que cobra entendimento dos alunos nas matérias, ia explicando o que deveríamos fazer no cabaré; a intervalos nos interrogava para ver o nível de assimilação das lições. O resultado de tanto sermão foi aumentar o nosso nervosismo. Porra, pensei, será que uma trepada é tão trabalhosa assim? Esconjuro! A sua última recomendação e os lances seguintes daquela noite por muito tempo zoaram-me na cabeça. Depois de escolado nos cabarés da cidade, ria daquela primeira peleja e da sua derradeira recomendação — na verdade uma piada, os fatos comprovariam — antes de pisar na soleira do puteiro: “Que o único vexame dado aqui seja elas verem que somos colegiais fugidos da escola”. 


Atravessamos a pequena ponte de madeira sem corrimão sobre a grota que escoava a cloaca da cidade no rio Tocantins. Uma quadra antes mergulhamos na escuridão das ruas miseráveis da beira-rio. O Tocantins, invisível, corria à direita, largo, cálido, pulsante como  corpo de mulher. Não o dominara ainda, não sabia nadar. Era cerimonioso com ele como tinha sido até o momento com as mulheres. Partia agora para conquistá-las, depois seria a vez dele. Mentalmente, sentindo no costado a volúpia de seu hálito úmido me atrair, que a noite fazia subir o barranco misturado à acidez dos peixes, conjeturei: primeiro as mulheres, me aguarde; depois domino você. Ouvi Crisóstomo me chamar na escuridão: “Ê, poeta, tá aí parado esperando o quê? Vais desistir agora?” 
Acelerei o passo, acompanhando os colegas que já subiam a rua depois da ponte. 
— Tá longe? — Udinei perguntou.
— Chegando — respondeu Crisóstomo.


Na rua sem iluminação, as pessoas que cruzavam conosco eram borrões escuros, silenciosos. Passavam como sombras, inexpressivas. Vez ou outra um grito escandaloso de uma puta vazava as paredes das velhas casas de taipa, chegando à rua. Instintivamente eu virava o rosto a procura de localizá-la e o meu olhar batia contra a parede da imensidão da noite. Mas ela era vazada por pontos alaranjados das lamparinas a querosene sobre janelas abertas — referência de onde a luxúria se abrigava. E por ali parecia um céu estrelado. Sorri nervoso e a friagem pegajosa da noite aproveitou a fragilidade do momento para tocar os meus ossos. Não conseguia imaginar tanta puta em Carolina — invisíveis à luz do dia nas ruas da cidade; ou seriam os meus olhos incapazes de joeirá-las de entre as outras mulheres? 





jjLeandro




Amanhã tem mais.....




A velha ponte - Carolina - MA (foto - jjLeandro)

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