terça-feira, 12 de abril de 2011

O TROTE - parte I

Vou postar a partir de hoje o conto O TROTE, em capítulos. Cada dia um capítulo. O conto está começado e o seu desenvolvimento acontecerá aqui, dia a dia.



                                         Carolina - MA (cidade sul maranhense) - foto: jjLeandro

I

Saí do banco radiante. Enfim chegara a ordem de pagamento da minha mesada. Podia agora realizar o sonho acalentado desde que estudava em Carolina: ir a um cabaré. Tudo já estava planejado com Crisóstomo e Udinei, faltava tão somente o dinheiro. Crisóstomo, que já conhecia as putas da beira do rio, fora lá umas duas vezes — confessara em excitantes papos sobre o assunto —, riu quando eu, num dos muitos encontros de planejamento, querendo antecipar a visita mesmo sem dinheiro, insisti:
— Você é conhecido por lá, elas não aceitam que a gente pague depois?
Após demorada risada, ele pulverizou meus resquícios de esperança:
— Mesmo que elas confiassem, achas que seria teu avalista? Tu comerias a puta e depois eu é que me foderia pagando.
— Pô, você é ou não é meu amigo?
—Tanto sou que te levarei lá junto com o Udinei. Mas devem aprender uma coisa: puta nenhuma trepa no crediário.
Sorri ao relembrar minha ingenuidade na conversa. Mas só sorri porque agora tinha dinheiro, aliás, dinheiro suficiente para várias idas à beira do rio. Do banco fui direito ao trabalho dele, o escritório da empresa aérea que voava do Rio de Janeiro para Belém, com escala em Carolina. Da porta, sob as árvores da rua, fiz sinal, chamando-o. Pediu com um gesto de mão, por trás do vidro do guichê, que esperasse um momento — estava ao telefone —, provavelmente falando com o aeroporto do Ticoncá. Eu não queria tratar do assunto lá dentro, duas mulheres trabalhavam com ele. E as duas conheciam minha avó com quem eu morava na cidade.
Desligou o aparelho, arrumou algo mais no guichê e saiu à rua.
— O que foi? — perguntou.
Entusiasmado, mostrei-lhe o tufo de dinheiro.
— Para as putas do rio.
—Estás louco, guarda isso! — e pôs a mão sobre a minha, forçando-a em direção a meu bolso. — Tens aí dinheiro suficiente para muitas idas ao cabaré. Chega-se lá com pouco dinheiro, umas notinhas amassadas no bolso, sovinas, caso contrário na volta se está mais pelado que frango que vai à panela.
Tranquilizou-se ao ver que eu guardava o dinheiro.
— E o Udinei, tá pronto? — quis saber.
Sacudi a cabeça afirmativamente.
— Ele vendeu a bicicleta para arranjar o dinheiro...
A gargalhada de Crisóstomo me interrompeu.
— Porra, são dois otários, isso que vocês são — e completou ao ver minha cara perplexa: — Bem feito, ele agora vai a pé toda noite para o colégio.
Eu procurei justificativa para o ato desesperado do amigo:
— Você diz isso porque já esteve por lá. Nós vamos pela primeira vez.
Comovido com minha virgindade, Crisóstomo mudou de assunto. Despachou-me para acertar tudo com Udinei na casa dele. Vai lá, reforçou. Se tudo estiver certo com ele, quero dizer, se ele estiver com dinheiro, é para hoje à noite.
Esfreguei as mãos de contentamento e saí como um foguete. Entrei na casa do baixinho metido a filósofo na disparada, com a mesma pressa de quem foge de um cão raivoso. Na grande sala da frente quase atropelei a velha mãe dele. Ela abandonou o bordado que fazia para seguir meu trajeto com cara de quem já perdera as esperanças de entender adolescentes que dançavam sem tocar nas garotas. Não havia dúvida que era a mesma cara de quando surpreendia e reprovava os nossos papos sobre as noitadas com as meninas na boate Itapuã. Amante de boleros e valsas, não entendia os movimentos lúbricos da dance music. Não lhe dei a importância das outras vezes em que por trás da minha atenção sempre existia o inconfessável objetivo de chegar aos seus cuscuzes com café. Deixa pra outra vez, há coisa melhor a fazer agora, e tentei vencer o delicioso gosto dos cuscuzes que o cérebro me cobrava a satisfação insistentemente com outro prazer que ainda só podia imaginar.
  Udinei estava no quarto estudando matemática.
— Baixinho, sabe pra que é isso? — disse eu da porta, agitando na mão um leque de notas de dinheiro.
Ele se levantou num estalo da cadeira, abandonando na mesa sob a janela alta, que recebia a claridade da rua, os livros e cadernos. Veio em minha direção com o dedo em riste. Deixa eu ver se adivinho, disse antes de me dar um abraço de contentamento quando confirmei:
— Para as putas do rio.
Ele socou o ar com o punho e deu um grande grito: Hip hurra!
Sua mãe chegou correndo no quarto a fim de saber o motivo da gritaria. Nada, mãe, disse, pondo-a para fora do quarto e fechando a porta.


jjLeandro  

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