sábado, 12 de junho de 2010

NEM SEMPRE ELOGIOS AO JUIZ


Assistindo hoje aos jogos da Copa do Mundo da África do Sul, vejo com satisfação que as regras evoluíram muito ao longo dos anos para garantir a eficiência e a segurança nos torneios. A atitude do árbitro brasileiro Eugênio Simon, obrigando a um jogador inglês buscar assistência fora do campo para o sangramento no lábio inferior, foi correta.




Em outros tempos era um deus nos acuda. Na Copa de 1970, no clássico Itália x Alemanha Ocidental, o craque alemão Beckenbauer jogou a prorrogação inteira com o braço preso por uma tipoia ao tronco por causa do ombro machucado, pondo em risco a sua integridade e a dos outros jogadores. Hoje isto é inadmissível, basta ver agora na África do Sul o exemplo do árbitro brasileiro no jogo da Inglaterra contra os Estados Unidos.


Este episódio lembrou-me outro que meu pai contava às gargalhadas. Aconteceu não numa Copa do Mundo de Futebol. Foi num torneio olímpico, acredito que na década de 1920. Ele leu a crônica em 1950, na revista O Cruzeiro, por ocasião da Copa do Mundo no Brasil.


Na oportunidade, um jogador da Hungria recebeu uma cotovelada na boca desferida pelo adversário francês. Sangrou muito, mas ele continuou no jogo. Contudo o sangramento não parava. Aquilo incomodou o juiz que solicitou providência. Como ainda não estávamos na era da tecnologia avançada, com adesivos para estancar hemorragias, valeram-se de um pano e fizeram uma mordaça bem justa na boca do jogador. O coitado, com dificuldades, sem fala, só se comunicando por gestos, passou a respirar exclusivamente pelo nariz. Mas, tudo bem, continuou na partida.


Uns cinco minutos depois o juiz expulsou-o num lance bobo envolvendo vários jogadores e muita gritaria de parte a parte. O amordaçado retirou imediatamente o pano, respirou fundo, inspirando longos tragos de ar, e inconformado protestou querendo saber o que acontecera.


O árbitro, que era português — e aqui não vai nenhuma discriminação, lógico —, disse com convicção, segundo relatos da imprensa:


— Você não me engana, eu ouvi bem! Chamou-me de filho da puta!


O coitado descabelou-se, o time todo protestou, estava na cara que um homem amordaçado não podia falar e tais e tais. Mas palavra de juiz de futebol não é como a de político que no Brasil varia conforme a porcentagem dos acertos. Deixando o dito pelo não dito, ou mais propriamente o não dito pelo ouvido, ele teve que deixar o campo de jogo.


A coisa não parou por aí. A imprensa no mundo todo fez muita galhofa com a inusitada e audível fala de um homem amordaçado. Na imprensa portuguesa o episódio foi amplamente divulgado. O pobre árbitro, não se sabe se por desgosto ou por fatalidade da vida, não teve tempo de falar nada sobre o ocorrido nas Olimpíadas, morrendo dois meses depois do retorno à terrinha, fechado num triste silêncio.


Coube, tempos depois a uma filha tentar salvar a honra da mãe do árbitro, sem sombra de dúvida a sua avó. Em carta dirigida com a pretensão de ser para o mundo todo, através do jornal português que mais ridicularizou o pobre homem, esquecendo-se o diário que também ele era da terrinha, ficou restrita ao jornal sem romper fronteiras. Anos depois chegaria ao Brasil, via O Cruzeiro. Bem, a moça tentou provar que a imprensa sempre foi aleivosa, deturpando os fatos sem qualquer constrangimento e sem apurá-los a fundo.


Ela começava o texto assim: “À imprensa portuguesa e d’Além Mar...”. Se a tecnologia lhe desse o suporte que temos hoje talvez o globo todo pudesse lê-la na Internet. Mas valeria a pena?


Ela, sem negar as suas origens, salvou a mãe do juiz, sempre a injustiçada nas partidas de futebol, mas não a honra dele.


Ela terminou a missiva assim: “...posto que o meu saudoso genitor sempre revelou nas suas muitas palestras a todos os seus miúdos — sem tempo de fazê-lo ao mundo todo — que o atleta húngaro não ofendeu sua saudosa mãezinha, é bom, pois, que se restabeleçam os fatos deturpados naquele evento. Na verdade, deixando minha vozinha fora disso, o gajo magiar disse a plenos bofes a meu pai, o que doeu-lhe muito nos ouvidos, foi: “Tu és um grande corno; isso é o que tu és!”

 
jjLeandro

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