sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A CORRUPÇÃO É GENEALÓGICA

Pero Vaz de Caminha - com ele começou tudo por aqui


Marquesa de Santos - Precursora da comissão em salários de assessores para parlamentares e partidos.



Que idade tem a corrupção entre nós? Atesto que de tal maneira é um mal histórico em nossa terra que nos desonrou como pecado original. Isso mesmo. Não foi Pero Vaz de Caminha, um burocrata de Sua Alteza, quem nos ensinou o caminho das pedras? Ele inaugurou o tráfico de influência, e, na maior cara de pau, com recibo passado e tudo.
Depois de tecer loas às belezas da nova terra – verdadeiras, de fato -, o escriba da esquadra de Cabral, no fecho da reportagem com que faria crescer os olhos de Dom Manuel para as nossas possibilidades futuras, pôs lá a sua pretensão a Sua Alteza: “peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro”.


Mas não pensem que a coisa parou por aí. Se isso tivesse acontecido, ah! que bom. A corrupção cresceu e se aperfeiçoou durante a Colônia. Quem não se lembra que fomos o primeiro território do Novo Mundo cuja economia foi conspurcada permanentemente pelo tráfico e os favores? As capitanias hereditárias não foram mais que um grande escândalo de favorecimento real. E o tráfico do pau-brasil, um dos mais importantes de toda a nossa existência, empregou com porfia nativos, franceses e até portugueses degredados para abaixo da linha do Equador. Estes, sem dúvida alguma, os nossos primeiros PhDs. Será que a ironia de Chico Buarque “não existe pecado do lado de baixo do equador” confirma uma conduta que se mantém até hoje?


Pois bem, de tal modo a corrupção estava descontrolada, como as formigas naquela célebre frase que muitos atribuem ao viajante francês August de Saint-Hilaire que esteve por aqui no século XIX, “ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”, que um governador do Rio de Janeiro pirou. Foi o capitão Luís Vahia Monteiro (1725-1732), que numa carta a Dom João V deplorou a lamentável prática, dizendo: “nesta terra todos roubam; só eu não roubo”. Se foi realmente inimigo da bandalheira, não há registro. O certo é que foi defenestrado em 1732, dizem que louco. Será que foi mais um Dom Quixote investindo solitário contra moinhos de vento?

Não pensem os ingênuos que o Império do Brasil esteve livre da corrupção. De modo algum, como esquecer 300 anos de boa escola? Nem aqui, nem em Portugal. Pedro I negociava com os ilustres deputados, pessoalmente, para votos ao Ministério quando a coisa periclitava. O que levavam, no toma-lá-dá-cá, os nobres do Parlamento? Com certeza não somente tapinhas de muito obrigado às costas. Até uma eminência parda traficava no Império: Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos. Os historiadores dizem que ela usava o grande prestígio que tinha com o Imperador para negociar até nomeações. E pasmem: parece que foi ela a inventora do confisco de parte dos salários dos nomeados, como fazem hoje muitos partidos e políticos com seus assessores, a título de colaboração.


Nos tempos sombrios do “Brasil: ame-o ou deixe-o” a Ditadura Militar, ocupada integralmente com a paranóia subversiva, deixou campo fértil à corrupção. Eram tempos em que resguardada a obediência política aos generais, tudo era permitido. A frase atribuída ao presidente Artur Bernardes (1922-26): “aos amigos, tudo; aos inimigos, o rigor implacável da lei”, apropriada como prática política pelo caudilho nordestino Antônio Carlos Magalhães (ACM), que a resumiu em “para os amigos, tudo. Para os inimigos, a lei” dava a exata dimensão da seriedade política naquele período e por muitos tempos depois. Lembro que o deputado Lysâneas Maciel propôs uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a corrupção no regime. O que aconteceu? Escolha uma das respostas: a) a CPI foi instalada sob aplausos; b) ele foi cassado. Acertou quem escolheu a opção “b”.


Não se iludam os que pensam que a corrupção é nova entre nós e os recentes escândalos são a sua prova. Então muita gente poderá dizer: passados 500 anos, o legado de nossa história é a corrupção? Claro que não. Mas uma coisa é certa: conhecer a fundo essa doença, suas origens e suas conseqüências, é a melhor maneira de combatê-la, e com grande responsabilidade pois, a despeito da longevidade, ela permanece forte e atuante. E ninguém pode, para o bem do Brasil, procrastinar mais essa guerra.











terça-feira, 18 de setembro de 2007

O MAIOR MENTIROSO DO SERTÃO

Senado brasileiro


Instituíram no interior um concurso de mentira que causou verdadeiro alvoroço. A notícia correu o sertão e em poucos dias a frente do pequeno clube na Praça da Matriz foi tomada por uma multidão, expulsando pombos e cachorros esfaimados sem condescendência. Era tanta gente, mas tanta gente que as autoridades temeram desordem. Os contadores de causos das redondezas esperavam havia muito uma chance para aferir suas qualidades e determinar de uma vez por todas quem dentre eles era o maioral. Não perderiam essa oportunidade. Apareceu gente de muito dentro, muito dentro mesmo. Até de onde a onça ainda nem pintada era, pois não passava de esboço.


A diretoria do clube apressou-se em inscrever o mundaréu de mentirosos no concurso, chamou reforço para agilizar o trabalho nas mesas de inscrição temendo falta de comida na pequena Piabuçu para aquilo que o presidente do Clube classificou grandiloqüentemente de “êxodo do Sertão”. Andou bem dois dias, até que todos os mentirosos estivessem inscritos, suando às bicas, temeroso que sua iniciativa degenerasse em confusão.


Mesmo depois de tudo resolvido, de efetivadas as inscrições e a horda ter deixado como rastro de sua passagem apenas o odor do ácido úrico e os miasmas dos excrementos pelos becos e esquinas da cidade, uma coisa continuou intrigando os concorrentes na volta para casa enquanto aguardavam o grande dia: Qual era o prêmio? Isso não ficara devidamente esclarecido. Aliás, era política da própria comissão organizadora manter o suspense sobre a premiação ao campeão. No edital do concurso — exposto desde o placard do Fórum ao mais humilde cabaré (por lá, prostíbulo) —, no lugar da prenda havia uma charada: “É como ir para o Céu sem carecer morrer”. Os sertanejos, aqueles de fala arrastada, comendo as desinências vocabulares para serem genuínos, ficaram encabulados. “Uai! Num é isso presepada?” perguntava um. “Num tão querendo arreliá cum nóis?” era outro se manifestando. Com muito tato, peculiar a quem sabe engrupir as pessoas, a comissão do concurso serenou os ânimos.


Na grande final foi outro tumulto. Chegaram a dizer, mas isso foi coisa de uns jornalecos das cidades vizinhas roídos de ciúmes porque não tiveram a idéia, que só as moscas excederam o número de pessoas em Piabuçu. Por vias tortas atestaram, entretanto, o sucesso do concurso; ou quase ele.
Sim, a coisa degringolou no final. É, veja só em que tempos estamos! O Chico Maranhão ganhou como se diz por lá “com um pé nas costas, levando um barril com chumbo ladeira acima”. Não vou aqui contar qual foi a grande mentira que ele largou sem qualquer cerimônia nas “fuças do povo” — não pense que é demérito essa expressão. Isso não senhor! Por lá é o mesmo que “na cara”. Basta dizer que teve a ver com a nossa sacrossanta política (assim mesmo com “pê” minúscilo). Ele ainda disse que na política não tem homem com “O” maiúsculo, mas aí ele já passou da conta no estupro ao português.


A grande verdade, mesmo se tratando do maior concurso de mentira, é que a coisa desandou quando o presidente do certame subiu ao palco de madeira diante do edifício do clube onde estavam os dois finalistas apreciados pelo mundaréu de gente lá embaixo para dizer a todos, antes passando a mão sobre o cabelo gomalinado num gesto despropositado (nem ventava, nem ele estava desgrenhado – diziam as más-línguas que era só frescura), no melhor estilo de Hollywood: “The winner is” que Chico Maranhão era o vencedor.


A confusão não foi ainda por causa da escolha do vencedor, que sobre isso havia consenso. Maranhão fizera jus ao gabarito. “O povo o aplaudiu por uns dois dias”, com essa hipérbole a Tribuna Piabuçuense saudou a escolha.


O negócio ferveu foi quando o presidente do clube, gritando ao microfone, puxou de dentro de um envelope pardo o certificado do vencedor. E lá estava com todas as letras, e ele uma vez mais gritou ao público: Ao campeão, o cargo de senador biônico na capital federal! É bom que se diga, pois eu ainda não disse, que o concurso não aconteceu nos tempos da Ditadura Militar. Naqueles idos a figura draconiana do senador biônico realmente existiu. Era uma distinção a quem a defendia caninamente (talvez venha daí a expressão “defender com unhas e dentes”).
Mas quem disse que o Maranhão aceitou a premiação? Eu não disse. Ele fechou a cara, evitou a mão estendida para o cumprimento e o abraço do presidente, caminhando em direção aos degraus do palanque para ir embora. Mas antes de descê-los, virou ao público, que o aplaudiu muito quando, ofendido, recusou a distinção:
– Eu sou um mentiroso, não sou um corrupto!

sábado, 15 de setembro de 2007

DEFENDENDO A RAPADURA

Foto: Rapaduras - Osvaldo S. Melo





por jjLeandro

Assustei-me dia desses num retorno de viagem com a frente de minha casa tomada por uma récua de bestas que um almocreve e seus ajudantes conduziam, daquelas tradicionais que carregaram o Brasil às costas desde a época colonial até bem pouco tempo.
De início pensei tratar-se de um sonho — isso é coisa já fora de moda —, mas não era. Era uma cena bem real: pelo menos 15 burros e mulas, homens suarentos pela longa jornada e um cheiro doce de cana misturado ao suor agridoce dos animais.
No meio do tumulto, meu velho pai, Seu Zé, feliz e satisfeito aos 81 anos, conferia a carga acondicionada em resistentes jacás forrados com folha de bananeira. Sentia-se como nos tempos juvenis em seu indomável Nordeste, transportando dos açudes e cacimbas a água avara com que mitigava a sede de pessoas e animais.

Quando cheguei bem perto para saber a razão de tamanho rebuliço, ouvi já o fim da conversa dele com o chefe dos arrieiros, atestando o contentamento com o carregamento:
— Ótimo, tudo como combinado. Podem entrar.
Ele abriu o portão grande da garagem e sem qualquer cerimônia, como se eu fosse um ser invisível ou um simples intruso que desconhecesse o valor histórico daquela empreitada e merecesse ser expurgado, ignorou-me. Os homens, dois a dois, pegavam os jacás aos braços e sumiam casa adentro.
Voltei-me a seu Zé, que exultante esfregava as mãos, enquanto os homens cumpriam a tarefa de aliviar o lombo das bestas do pesado fardo.
— O que significa isso?
— São rapaduras que encomendei a um conterrâneo de um engenho aqui perto. Não são fabricadas em Pernambuco, mas o know-how é nordestino, genuinamente nordestino, a ponto de o autorizar o uso da identificação de origem: “From Northeast”. De fato, levantando o forro das folhas de bananeira, pude ver o apurado trabalho de empacotamento das rapaduras em caixas de buriti com o sinete marcado em fogo sobre cada uma delas: “Engenho Carnaíba – From Northeast for the World”.

Encabulei-me com o excesso. Comprar uma, duas, três rapaduras, vá lá. Isso era coisa corriqueira que fazíamos semanalmente nas feiras livres. Mas...2700 rapaduras de uma só vez se não fosse exagero, seria loucura.
Passei o braço sobre seus ombros e conduzi-o a um canto, longe das vistas e dos ouvidos do fornecedor das guloseimas:
— O que está acontecendo com o senhor? Não acha que é um exagero tudo isso? Onde vai colocar tanta rapadura?
— Tá bem, eu explico antes que me ache um louco.
— É bom mesmo — eu disse, suando e assustado.
— As rapaduras cabem bem na sua biblioteca entre livros e revistas. Ali era tudo uma bagunça só, até dei uma organizada durante sua viagem e veja lá que os espaços aumentaram.
Bati a mão na testa, desconsolado.
— Na minha biblioteca? É lá que vai guardar tudo isso?

Ele assentiu com a cabeça e continuou:
— Estou comprando tudo isso de uma só vez porque ouvi no noticiário que não vai restar na face da terra um único grãozinho de chão para plantar qualquer outra coisa que não seja cana-de-açúcar para a fabricação de etanol combustível. Esses usineiros são aves de rapina. Querem dinheiro, dinheiro e mais dinheiro. Você viu como está pulando de raiva o pessoal da soja e também os criadores de porcos e frangos? Isso é só o início. E eu já pus as minhas barbas de molho, afinal a parada vai ser dura e é já uma batalha perdida pois até o nosso presidente virou garoto-propaganda dessa cruzada.Do jeito que a coisa vai, até os árabes em breve estarão comprando o nosso álcool. E que ninguém se assuste com isso. Meu filho, a razão é essa: nada mais da cana, nenhum gominho dela sequer, vai sobrar para a nossa sagrada rapadura. E você sabe que sem rapadura é impossível a um nordestino sobreviver. Tudo agora vai para os carrões Flex. É o sinal do fim dos tempos, meu filho! Estamos bem perto dele.

Após seu veemente discurso, nada mais pude fazer a não ser resignar-me. Num tom apaziguador, concluí:
— Então tá bem, as rapaduras serão apenas essas!? Nada mais?
— As rapaduras sim! Mas semana que vem ele traz os 30 tonéis de aguardente que encomendei. Eu quero é ver o Lula bater à minha porta implorando um traguinho quando perceber que sua ardente defesa do etanol fez com que não sobrasse umazinha gota de aguardente nem para ele.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

FLORA DO CERRADO

A árvore da foto abaixo é uma sucupira-branca(Pterodon emarginatus), muito comum no Cerrado, cujas sementes, chamadas favas de sucupira, mergulhadas em líquido libera um travo altamente amargo e muito utilizado na medicina popular. Nessa época do ano no Tocantins (a foto é de Caseara), ela cobre-se de flores muito belas que contrastam com o verde das folhas miúdas, em belos matizes coloridos, como se vê. Você pode estar se perguntando: por que sucupira-branca? De fato, nem nas folhas nem nas flores há qualquer referência ao branco. Sequer nas sementes de um pardo puxado ao creme. Mas tem sim o nome tudo a ver com a árvore: a madeira é bem clara, quase branca e o nome justifica-se mais ainda quando comparada à homônima (Sucupira-preta –Bowdichia virgilioides Kunth), de madeira escura quase negra.
















A sucupira-branca em toda sua majestade.














Detalhe da copa de uma sucupira-branca florida em setembro.


















As flores da sucupira-branca em cacho.

















As sementes como caem da sucupira-branca. Elas possuem aletas para disseminação pelo vento. Com vento forte, como é comum no período de estiagem no Cerrado, elas podem "voar" até 200 metros. Muitas outras variedades da flora do Cerrado possuem igualmente "asas" para voar longe.
















Esmagamento das aletas para retirada das sementes(favas).

















As sementes(favas) de sucupira após a retirada das aletas. Assim elas são comercializadas e entram na composição das bebidas medicinais.