terça-feira, 18 de setembro de 2007

O MAIOR MENTIROSO DO SERTÃO

Senado brasileiro


Instituíram no interior um concurso de mentira que causou verdadeiro alvoroço. A notícia correu o sertão e em poucos dias a frente do pequeno clube na Praça da Matriz foi tomada por uma multidão, expulsando pombos e cachorros esfaimados sem condescendência. Era tanta gente, mas tanta gente que as autoridades temeram desordem. Os contadores de causos das redondezas esperavam havia muito uma chance para aferir suas qualidades e determinar de uma vez por todas quem dentre eles era o maioral. Não perderiam essa oportunidade. Apareceu gente de muito dentro, muito dentro mesmo. Até de onde a onça ainda nem pintada era, pois não passava de esboço.


A diretoria do clube apressou-se em inscrever o mundaréu de mentirosos no concurso, chamou reforço para agilizar o trabalho nas mesas de inscrição temendo falta de comida na pequena Piabuçu para aquilo que o presidente do Clube classificou grandiloqüentemente de “êxodo do Sertão”. Andou bem dois dias, até que todos os mentirosos estivessem inscritos, suando às bicas, temeroso que sua iniciativa degenerasse em confusão.


Mesmo depois de tudo resolvido, de efetivadas as inscrições e a horda ter deixado como rastro de sua passagem apenas o odor do ácido úrico e os miasmas dos excrementos pelos becos e esquinas da cidade, uma coisa continuou intrigando os concorrentes na volta para casa enquanto aguardavam o grande dia: Qual era o prêmio? Isso não ficara devidamente esclarecido. Aliás, era política da própria comissão organizadora manter o suspense sobre a premiação ao campeão. No edital do concurso — exposto desde o placard do Fórum ao mais humilde cabaré (por lá, prostíbulo) —, no lugar da prenda havia uma charada: “É como ir para o Céu sem carecer morrer”. Os sertanejos, aqueles de fala arrastada, comendo as desinências vocabulares para serem genuínos, ficaram encabulados. “Uai! Num é isso presepada?” perguntava um. “Num tão querendo arreliá cum nóis?” era outro se manifestando. Com muito tato, peculiar a quem sabe engrupir as pessoas, a comissão do concurso serenou os ânimos.


Na grande final foi outro tumulto. Chegaram a dizer, mas isso foi coisa de uns jornalecos das cidades vizinhas roídos de ciúmes porque não tiveram a idéia, que só as moscas excederam o número de pessoas em Piabuçu. Por vias tortas atestaram, entretanto, o sucesso do concurso; ou quase ele.
Sim, a coisa degringolou no final. É, veja só em que tempos estamos! O Chico Maranhão ganhou como se diz por lá “com um pé nas costas, levando um barril com chumbo ladeira acima”. Não vou aqui contar qual foi a grande mentira que ele largou sem qualquer cerimônia nas “fuças do povo” — não pense que é demérito essa expressão. Isso não senhor! Por lá é o mesmo que “na cara”. Basta dizer que teve a ver com a nossa sacrossanta política (assim mesmo com “pê” minúscilo). Ele ainda disse que na política não tem homem com “O” maiúsculo, mas aí ele já passou da conta no estupro ao português.


A grande verdade, mesmo se tratando do maior concurso de mentira, é que a coisa desandou quando o presidente do certame subiu ao palco de madeira diante do edifício do clube onde estavam os dois finalistas apreciados pelo mundaréu de gente lá embaixo para dizer a todos, antes passando a mão sobre o cabelo gomalinado num gesto despropositado (nem ventava, nem ele estava desgrenhado – diziam as más-línguas que era só frescura), no melhor estilo de Hollywood: “The winner is” que Chico Maranhão era o vencedor.


A confusão não foi ainda por causa da escolha do vencedor, que sobre isso havia consenso. Maranhão fizera jus ao gabarito. “O povo o aplaudiu por uns dois dias”, com essa hipérbole a Tribuna Piabuçuense saudou a escolha.


O negócio ferveu foi quando o presidente do clube, gritando ao microfone, puxou de dentro de um envelope pardo o certificado do vencedor. E lá estava com todas as letras, e ele uma vez mais gritou ao público: Ao campeão, o cargo de senador biônico na capital federal! É bom que se diga, pois eu ainda não disse, que o concurso não aconteceu nos tempos da Ditadura Militar. Naqueles idos a figura draconiana do senador biônico realmente existiu. Era uma distinção a quem a defendia caninamente (talvez venha daí a expressão “defender com unhas e dentes”).
Mas quem disse que o Maranhão aceitou a premiação? Eu não disse. Ele fechou a cara, evitou a mão estendida para o cumprimento e o abraço do presidente, caminhando em direção aos degraus do palanque para ir embora. Mas antes de descê-los, virou ao público, que o aplaudiu muito quando, ofendido, recusou a distinção:
– Eu sou um mentiroso, não sou um corrupto!

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro poeta:

Tenho a honra de te convidar para o re-lançamento do livro do meu bisavô materno -Demostenes Cristino - o poeta de Ipameri !!!

Anônimo disse...

O re-lançamento será dia 26 de setembro, a partir das 18:00, na AGL.O livro se chama Musa Bravia, e a organizadora é a bisneta de Demóstenes, a Sra.Vãnia Cristina Cristino.
Infelizmente eu não poderei comparecer, mas gostaria muito que vc fosse e convidasse também seus poetas conhecidos.

Anônimo disse...

Meu email é : melbello@ibest.com.br.Qualquer dúvida,é só escrever.