quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

O AMOR GEOMÉTRICO


Imagem: jjLeandro

O AMOR GEOMÉTRICO


Está claro ao mundo que o amor é um tantinho razão e muita emoção. E a maior prova disto é o dito: “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Sempre desprezei frases feitas pelo muito que têm de repetição e o pouco de reflexão. Nada original no que disse até o momento, mas o que eu disse se encaixa bem numa parte da matemática: a porcentagem.
O amor também é assim: matemático, ou melhor, geométrico! Fiz a descoberta ao ouvir por muito tempo o relato de um amigo sobre os seus casos amorosos. E as variantes que iam surgindo ele as enumerava com figuras geométricas. Um dia enrolou-se num problema sem solução. Ou numa figura que, por ser diferente, constituiu-se uma armadilha.
No início era tudo lindo. Casado há pouco era amor em linha reta, dois corações como dois pontos que se unem. E entre dois pontos a representação do menor caminho é a reta. E quando surge um terceiro ponto? O amor passa a ser visto de um outro ângulo ou ter um ângulo adicional. Aconteceu com ele, que ninguém é perfeito. Desenhava-se o triângulo amoroso após dois anos de um matrimônio perfeito. Como no triângulo o perímetro é determinado pela soma da medida dos seus lados, entre Marcos, Juliana, a esposa, e Carmén, a amante, a intensidade do romance determinava-se pela soma da medida de suas paixões. Houve no início, claro, como em todos os casos, gradações: Marcos tinha ainda um grande amor pela esposa. A adição de Carmén subtraiu um pouco desse amor. Numa comparação geométrica formavam um triângulo amoroso isósceles: o amor de Marcos e Juliana era igual, restava a Carmén a menor parcela. Mas ela com a ambição de toda amante soube alterar essa proporção, adicionando mais para si. Popularmente dizendo puxou pouco a pouco brasa para a sua sardinha. Foi quando o triângulo ganhou feições escalenas: as atenções para Juliana já não eram tantas, a maior parte cabia a Carmén; a relação com a esposa esfriara. Mas ela o pressionava, sentindo como toda mulher o abandono. Marcos recuou para não sair no prejuízo e sofrer um escândalo: e não houve como não ser paritário: o caso tornou-se eqüilátero. O tempo ajudou nesta conformação.
Juliana sentiu as mudanças no comportamento de Marcos e não mais se queixou. Bastava-se com as atenções recebidas, que não eram ideais, mas já era madura o suficiente para saber que o ideal é uma projeção ou especulação; de mais a mais culpava o tempo de casamento pela brandura dos afagos. Achara um bode expiatório de conformidade com a situação.
Com tudo sob controle, Marcos tentou mudar a feição geométrica do amor. Cansara do triângulo amoroso. Considerava-se afortunado e moderno, mas na hora do amor preferiu o quadrado. Adicionou Maria, a sua nova secretária, no paralelogramo. Tinha já tarimba para ampliar sua área de abrangência, reduzindo o perímetro dos riscos. Coisas de quadrado. Ora se apegava mais a uma, ora a outra, quando então o quadrado se tornava um retângulo pela proximidade de um de seus ângulos e o afastamento dos outros dois. Mas trazia tudo matematicamente medido.
Mas tão expert se achava o Marcos que não tinha mais dificuldades em colecionar amantes e figuras geométricas. E também não teve em fazer uma vez mais se justificar o dito: “o costume do cachimbo é que entorta a boca”. Quando o encontrava em um bar, entre um gole e outro de cerveja, era habitual a pergunta: e agora qual é a figura? Ele respondia prontamente. Com um ar pretensioso que me causava inveja(meu ângulo era um só, e sempre obtuso!) respondeu-me à última: estou agora no pentágono. E não ficou nisso. De outra feita estava eu e um amigo, Anacleto, bebendo à vitória do time de futebol do coração quando ele chegou. Tínhamos em comum a mesma paixão pelo futebol, mas o Anacleto não sabia dessa história de geometrias. Eu perguntei: E aí, qual a figura? Ele riu e comentou, sugando o cigarro com grande força: É já um hexágono! E expeliu olimpicamente a fumaça. Depois que ele saiu, o Anacleto, intrigado com o nosso código, deu vazão a sua curiosidade: Que história é essa?! Eu disse apenas deixa pra lá, você não vai entender mesmo.
Naquele dia saí de lá convicto que em breve ouviria dele que montara um harém. A figura seria então um pentadacágono.
O telefone tocou em minha mesa meses depois. E era ele mesmo, o Marcos. Fazia tempos que não o encontrava. Com uma voz angustiada chamava-me do outro lado da linha para uma conversa no bar no final do expediente. Amigos são para essas horas. Preocupado e pressuroso fui lá. Ele já me esperava. Cumprimentamo-nos, ele bebia uma cerveja e beliscava um tira-gosto: acompanhei-o. Procurei quebrar o clima carregado com a clássica pergunta. Qual a figura agora? Ele não riu como fazia sempre. Quase chorou quando disse: Um círculo. Um círculo?! repeti admirado, concluindo: São tantas assim?
Ele olhou-me com expressão mais triste ainda. Que nada, Pedro, melhor dizendo: um laço! Juliana, não sei como, descobriu tudo. Eu infelizmente não percebi que seis eram já demais e que o hexágono falta pouco para se assemelhar ao círculo. Armei para mim mesmo uma cilada. E Juliana fechou tanto o cerco que descobriu todas as minhas amantes, tornou a distância nula e quando isso acontece com o círculo que se fecha, tudo se reduz a um ponto. O ponto final.


jjLeandro em

http://jjleandro.blog.terra.com.br/

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2 comentários:

Roberta Tum disse...

Oi Leandro,
vim visitá-lo, e vejo neste seu texto recente uma situação muito comum, ricamente descrita.
Arrasou. Gostei, mas vou te abrir: tenho pena desse seu amigo não...rs.
Abusou da sorte@!
Bjim.

Paulo Silva disse...

Passei a fazer uma vizitinha...
Gostei do texto.
Deixo um abraço.