segunda-feira, 16 de abril de 2012

O SAUDOSISTA

Foto: http://avidanoanode2012.blogspot.com.br/2011/10/worldrevolution-ii-os-indignados-do.html



O velho mandachuva, órfão da Ditadura, parceiro de tantos outros biônicos da política já extintos, enfrentava protestos que se avolumavam dia após dia, exigindo a sua saída do cargo por corrupção. A pressão nas ruas punha-o em palpos de aranha, para usar expressão vigente em seu tempo mastodôntico. A onda de protestos não era coisa a que estivesse acostumado. Vinha embalada pelos ares democráticos, coisa recente, que julgava tão ruins quanto os atmosféricos à sua frágil saúde, fazendo-o perder o controle dos nervos pela absoluta falta de adaptação à nova realidade. Mas também pudera: forjara a carreira subindo à custa dos favores recebidos dos mandatários superiores pela execução de tarefas escusas capazes hoje de corar até defunto. Em suma, sentia-se acuado pelos abundantes protestos.
Um dia ouvia de um assessor:
— Está na imprensa um artigo falando mal do senhor.
Sem tempo para descanso, no outro dia a ladainha continuava:
— O palácio está cercado por manifestantes.
Outro lhe segredava ao ouvido:
— Há um abaixo-assinado na internet exigindo sua renúncia.
Para aplacar a ira popular, quis até ensaiar o suicídio diante do grande espelho do salão nobre do palácio, apontando um revólver para a cabeça, choramingando com palavras gastas pelo tempo: “saio da vida para entrar para a história”. Um assessor desarmou-o rapidamente, não tomando a arma de sua mão, mas denunciando o plágio:
— O senhor tem que ser original, convincente. Isso já foi dito antes.
Completamente apavorado pediu socorro, afinal assessor era bem remunerado, tinha parentes às pencas no governo e ele mesmo fechava os olhos para as comissões que recebiam com a finalidade de que nos apuros lhe iluminassem o fim do túnel:
— O que fazer, Charles Waterfall? Diga-me, estou quase me afogando.
Sim, era tal o anacronismo em sua administração que o principal assessor era ainda um americano, dos que a Ditadura trouxe para transferência de know-how na espionagem.
A resposta veio na lata, ardilosa.
— O senhor tem que se apropriar da bandeira deles.
Recobrou imediato a energia.
— Vá lá fora e tome uma dos manifestantes.
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Não foi? Eu ouvi bem! Você falou em português.
— Eu quis dizer que o senhor tem que se solidarizar com eles, bater duro na corrupção. Deixar claro que também está triste e enlutado por causa de tanta patifaria de que o senhor não tinha conhecimento. Que também quer a moralização da coisa pública. Que jamais perdoará a traição dos escalões inferiores tramando às suas costas.
— E não vou me prejudicar com isso? — disse azedando a cara.
O assessor convenceu-o que tudo não passava de agá. Não é assim que se diz? Conversa para boi dormir, para inglês ver. Os exemplos são abundantes. E ele saiu aliviado para ter com o pessoal da comunicação do palácio. Providenciaria imediatamente uma faixa para colocar entre as duas palmeiras imperiais à frente do paço.
No dia seguinte ela estava lá, confessional, em negras letras garrafais com a assinatura do velho político abaixo: ‘LUTO PELA CORRUPÇÃO’.

 jjLeandro

Um comentário:

Val Araújo disse...

kkkkkk. Reconheci a história. Muito bom.

Depois de muito tempo largado, voltei ao blog e mudei a cara dele. Não sei se para pior...depende do ângulo que se vê. A parte boa é q voltei a escrever. É claro que o poeta mais saudosista, nostálgico e trágico perderia para mim na fase que estou. Mas escrevo. E olha que me policio para só jogar nos posts as menos nostálgicas e trágicas, porque senão penso que teria que torcer o laptop quando logasse no blog, pq até eu choraria.
Enfim, vim dizer q vc deixou sua criação descoberta, mas eu sabia que faria isso. Na verdade, até tentei exclui-lo do rol de seguidores, mas na minha ignorância virtual não soube fazer. Todos dias olhava vc lá no meio daquelas lindinhas brecholentas e sorria pensando: ele vai querer se matar quando vê isso. HA HA HA. nos encontramos pelas vielas lamuriosas da poesia.