EM BUSCA DA VIDA ETERNA EM SARPOURENX
por jjLeandro
Vi na mídia que o prefeito de uma cidadezinha francesa proibiu por decreto que os cidadãos de lá morressem. Ele buscava apenas uma solução para o problema que afeta a sua cidade: sem espaço para crescer o cemitério, não há como enterrar os mortos.
Minha avó que, apesar dos 92 anos, ainda ouve muito bem e como qualquer mortal – independente de idade – não quer morrer nunca, acordou imediatamente do cochilo diante do aparelho de TV. Arregalou os olhos e grunhiu, rompendo os últimos vestígios do sono:
– Menino, eu ouvi bem?
– Sim, vó, a senhora ouviu bem.
– E o que eu ouvi?
Além de me chamar de menino, apesar dos meus quase 50 anos, cultiva o vício – que irrita a mim e ao bando de netos – de exigir que a gente diga o que ela fez ou ouviu, numa atitude ranzinza de desconfiar que nunca lhe damos a devida atenção.
– A senhora ouviu que o prefeito francês não vai mais permitir que ninguém morra em sua cidade.
– Menino, cadê meu tricô? – mas antes de uma resposta minha pegou o trabalho e enquanto tecia, continuou: Qual é mesmo a cidade dele?
– Sarpourenx, vó. Uma cidadezinha do sudoeste francês. Tem só 200 habitantes.
– Amanhã você me faz um favor?
– Quantos a senhora quiser – eu concordei logo, tentando abreviar a conversa e voltar ao meu noticiário.
Ela abriu um sorriso nas faces enrugadas enquanto afagava meu braço.
– Não é à-toa que você é meu neto preferido. Puxou a mim, é tão paciente com as pessoas.
– Que favor a senhora deseja?
– Vá à rodoviária e veja se o ônibus faz linha para...para...
– Sarpourenx?
– Sim, sim! Esse lugar aí mesmo – e acenou a mão no ar num gesto de descaso.
– Vó, ônibus não vão daqui a Sarpourenx.
– Não vão? Vou a todo esse Brasil de ônibus, por que não ir até esse lugarzinho?
– Tem um oceano que nos separa, entende?
– Ah! O mar, sei. Seu avô dizia que ele causa enjôos. Coitado dele, quando veio moço de Portugal quase botou os bofes pra fora de tanto vomitar naquela velha banheira que chamavam de navio.
Depois de um pequeno intervalo em silêncio, que quase me aliviou por pensar que esquecera o assunto, ela contra-atacou.
– Então me explique: como faço para ir até lá?
– De avião, ora bolas! A senhora bem sabe da existência dele. Não ia muito a São Paulo nos aviões da Pan Air?
Ela apertou os olhinhos e esboçou uma careta de quem muito se esforça para arrancar uma lembrança dum passado remoto.
– É mesmo, o avião. Andei muito nesse bicho. Ele também me dava náuseas. Mas não tem problema, para ir a Sa...Sassa...Sarpourenx – riu do esforço para conseguir a pronúncia -, faço qualquer negócio. Consiga pra mim uma passagem até lá.
Não agüentei e ri da sua espontaneidade.
– E posso saber por que deseja conhecer o vilarejo francês?
– Ora, menino, não seja besta – disse dando um tapinha em minha mão estendida no braço do sofá. – Sabe que pensava que era um pouquinho mais esperto?
– Eu?!
– Sim, você mesmo. E sabe por quê?
– Por quê?
Ela não respondeu, fez-me uma pergunta.
– O que vai fazer uma velha senhora de 92 anos numa cidadezinha francesa que proíbe as pessoas de morrerem?
Não me contive.
– Não me diga que vai atrás da vida eterna?
– Bingo! Até que enfim você raciocinou, pensei que estava negando a raça.
– A senhora está mesmo falando sério?
– Menino, nunca falei tão sério em minha vida. Amanhã mesmo vou ver o saldo de minha poupança no banco. Se não for suficiente, faço um empréstimo daqueles consignados de perder de vista. Não posso é deixar de ir. Quero estar lá o quanto antes, sei lá se esse prefeito dá a doida e resolve revogar o decreto antes de eu chegar lá.
Alegando que não ia deixá-la viajar tão longe sozinha, mas no fundo querendo acreditar que o decreto do prefeito podia muito bem ser pra valer, eu lhe disse:
– Eu vou com a senhora, nada de deixar minha vozinha andando por aí sozinha.
Uma vez mais ela abriu um sorriso, que dessa vez tinha um acento zombeteiro por entender a minha intenção. Mas preferiu ser diplomática.
– Eu sempre lhe disse que você é meu neto preferido.
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