Pierrô e Arlequim - Almada Negreiros
CARNAVAL E MICARETA
Ramón e Antônio nunca tinham cruzado suas vidas. Cruzaram seus caminhos no carnaval, ou melhor, alinhavaram porque quando se conheceram estavam bêbados. Animavam-se, como centenas de foliões no bloco Rola Preguiçosa – tarda mas não falha, ao som da bateria da Mangueira, pela avenida Epitácio Pessoa, na Lagoa.
Beberam, pularam, cantaram e beberam mais. Quando ainda estavam um pouco lúcidos, trocaram nomes e conheceram onde cada qual trabalhava. Assim feitos amigos o Carnaval tinha mais calor. Quase ao final do percurso pulavam abraçados um ao outro. Primeiro pela animação, depois como apoio, ajudando-se a permanecer em pé e na folia até o fim. Praticamente na dispersão, entusiasmado como todo mundo, Ramón exagerou – não como todo mundo – e largou um beijo na boca de Antônio. Sufocado, o parceiro demorou um pouco a brigar, pois foi o tempo em que lutou para se desvencilhar do outro. Olhou-o nos olhos, viu as pupilas nadando em álcool, mas brilhantes de entusiasmo. O entusiasmo de um Arlequim.
– Viu o que você fez, cara?
– Não...e sim.
– Você me beijou! – e empurrou Ramón.
Ele foi e voltou como joão-bobo. A voz era pastosa.
– Você gostou?
– Você é cínico, cara? – e quis brigar.
Alguns foliões mais aprumados separaram os dois, e cada qual seguiu seu rumo. Ramón, de Arlequim bêbado, cantando pela rua: “um pierrô apaixonado que vivia só cantando por causa de uma Colombina acabou chorando, acabou chorando”. Antônio, cuspindo e limpando a boca nas vestes de Pierrô, não acreditava que Ramón fosse a sua colombina.
Mas tudo bem, isso passou. Afinal foi apenas um deslize de Carnaval. E sendo deslize é reparável. Também, carnaval não é o ano todo para novos encontros desses acontecerem.
Antônio pensou no beijo do Arlequim durante vários dias. Será que Ramón também pensava? Inquieto, resolveu visitá-lo no trabalho. Vestiu uma roupa bem leve, calçou tênis e foi lá. Não queria assustá-lo quando lá chegasse. Poderia pensar que o procurava para uma briga. Pegou o elevador, desceu no andar certo com um longo corredor, procurou a sala e achou. Entrou. Lá estava Ramón atrás de uma mesa ampla, diante do computador. Quando viu Antônio, levantou-se pálido. “Não teve jeito, acredita que vim brigar”, lamentou Antônio, concluindo em seguida seu raciocínio, “vai ser logo na bucha”.
– Eu vim aqui para...
Ramón interrompeu-o, adiantando a mão espalmada em sinal de “espera aí”. Mas o outro insistiu, não fora até ali para desistir quando estivessem cara a cara.
– Eu vim para fazermos logo a nossa micareta particular.
.......
MAIS jjLeandro
.......
FELIZ CARNAVAL A TODOS. CUIDADO COM RESFRIADOS, USE CAMISINHA!!
5 comentários:
Leandro, uma delícia de texto.
Inusitado, bem contado. Gostei demais.
E os caminhos coloridos do carnaval, muitas vezes, podem levar à felicidade, hein???
beijos e bom carnaval para você.
Rsss... Seus contos são maravilhosos, Leandro.Rsss...
Dificil não rir antes e depois do ponto final.
Parabéns!!!!
Uma grata surpresa pra mim, que nestes dias de carnaval não tiro o conto "Terça-feira gorda" do Caio Fernando Abreu da minha cabeça. Não por terem o mesmo estilo, mas por abordarem o mesmo tema. E tu com leveza. Que bom isso. Gostei muito.
Abraços.
Passei para desejar um bom fim de semana,e dar os parabens pelo excelete texto.
Abraço.
Muito legal, JJ!!Parabéns!!!
Sei não...de repente, vi esses dois no Rola Preguiçosa – há quinze dias.[rs]
Cada um tem sua micareta preferida, né JJ ?
Bom Carnaval pra você e sua família.
Um abraço
E.T. (pra variar) E o livro, sai ou não sai?[rs]
Postar um comentário