quinta-feira, 18 de novembro de 2010

OS CELULARES DE DIOLINDA



Hoje encontrei o Crisóstomo, amigo meu. Aposentado, vira-e-mexe encontramo-nos nos Correios ou à porta de alguma agência bancária. Eu buscando livros no reembolso postal ou fazendo transferências bancárias para livrarias me mandarem mais livros. Ele correndo atrás da aposentadoria de engenheiro da extinta RFFSA.
Sempre uma boa conversa surge desses encontros fortuitos. São muitos minutos sentados num banco da pracinha diante da agência bancária, debaixo de uma umbrosa mungubeira enquanto o movimento da rua flui célere diante de nós. Com tempo disponível, está sempre atualizado com as notícias. Interessante que ao comentá-las busca sempre um vínculo com o seu cotidiano.
Soltou-me a última no encontro de hoje:
— O Brasil já tem mais celulares que gente, pode?
Encolhi os ombros antes de comentar.
— Pode sim, a economia está melhorando.
Pareceu não me dar ouvidos e continuou:
— São 194 milhões de celulares para um milhão a menos de população.
— Isso tudo, Crisóstomo? — questionei.
— Sim! Tem gente com mais de um aparelho, como lá em casa.
—Você tem dois?
Ele fez um gesto irritado com a mão, um claro protesto contra o amigo que o desconsiderava ao demonstrar não o conhecer bem.
— Eu não. A minha empregada.
— Ela tem dois?
—Sim. E o tempo inteiro está na cozinha com eles grudados nas orelhas.
—E dá conta do trabalho?
— Pior que sim — e justificou explicando que o que difere o ser humano das demais espécies de primatas é o fato de sucessivas experiências gerarem evolução. — Prende-os pressionando os ombros contra a cabeça. Fica assim um tempão, lavando louça, fazendo comida e conversando ora com uma, ora com outra amiga.
— E você nunca disse nada?
—Até já tentei, mas não surtiu efeito.
—E tentou o quê?
Ele demorou alguns segundos, mas desembuchou.
Na verdade reclamou mais atenção dela ao trabalho, num diálogo que tentou apimentar com ironia. O final foi mais ou menos assim:
— Diolinda, você tá aí com dois celulares grudados nas orelhas como se fossem brincos. Diga-me: nunca pensou em comprar um terceiro?
E ela, voltando-se para ele com o pescoço sumido entre os ombros e o rosto ausente de malícia:
—Pensar até que já pensei, seu Crisóstomo. Mas para que vou querer três se só tenho duas orelhas?


jjLeandro

Imagem: http://robertobertholdo.jornale.com.br

Um comentário:

Val Araújo disse...

Tadinha da Diolinda!!!
O Crisóstomo devia comprar um fone de ouvido pra coitada num intortá... rs
Muito gostoso de ler.