terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O GRILO E COMPANHIA




Saibam todos a complicação que deu eliminar aquele grilo do meu quarto. Se o quarto fosse somente meu, ele ficaria por lá o tempo que quisesse. Talvez não resistisse uns três dias, avaliava. Era uma aposta óbvia. Teria que sair pois dificilmente encontraria comida por ali. Meu quarto era um deserto para ele, e sem comida não poderia exercitar o seu canto irritante dias a fio com tanta força e constância. Mas minha esposa já andava incomodada e sem paciência. Todas as três noites em que o grilo cricrilou ela acordou... e eu também. Não acordei com o canto do grilo nem em solidariedade a ela...é que ela metia o cotovelo em minhas costelas e eu acordava assustado de um sonho em que um caminhão me atropelava.


Antes de me recuperar do susto, ela dizia zangada:


—Quando amanhecer, você caça esse grilo!


No primeiro dia, juro, tentei, mas, ah inseto esperto! O bicho só cantava à noite. Durante o dia não denunciava por nada o seu esconderijo. Não adiantou vasculhar o guarda-roupa, afastar os outros móveis, desmontar a cama, sacudir as cortinas. Se não achei o grilo, encontrei a aliança que havia perdido há dias e por isso ela me ameaçava retaliar com abstinência à cama. Mas ainda assim as três noites foram de agonia e péssimo sono.


Na terceira noite ela disse categórica: ‘amanhã você não dorme aqui se não achar o maldito grilo!’ Então eu tive que me virar pra valer e ser criativo. É bom que eu explique: moro ao lado de um córrego e nas margens dele os sapos coaxam a noite toda. Ainda mais agora no verão com essa fartura de chuva. Bem, sei que eles têm uma predileção alimentar por grilos, por isso fui tentar pegar um por lá. Foi minha mulher me ver entre o mato do riacho para gritar furibunda da cerca: ‘você tá brincando, tá? Em vez de caçar o grilo tá aí no riacho de bobeira! Vai ficando, vai, à noite se o grilo cantar umazinha vez, sofá para você!' Fiquei na minha, manhoso. Não imaginava ela que procurava um caçador infalível de grilos.


Ela saiu para o trabalho e eu capturei um sapo. Deu um trabalho danado, também o maldito batráquio sabe se esconder. Não quer ser presa fácil. E não é para menos, com tantos predadores à espreita a regra número um da vida é ter uma boa camuflagem.


O que eu sei mesmo é que na quarta noite o grilo não cantou. Nem na quinta. Ela comentou toda sorridente no café da manhã após a segunda noite sem grilo:


— Não vê nada diferente em mim?


Juro que a olhei da cabeça aos pés numa busca desesperada, mas não podia mentir.


— Não!


Sacudindo a cabeça, ela arregalou os olhos e a boca exprimiu um sorriso contente.


— Não tenho olheiras hoje, e sabe por quê?


Eu outra vez desinteressado:


— Não!


— Benzinho, é que você finalmente deu cabo do grilo — disse dengosa e me tascou um baita beijo na boca.


Depois perguntou com cara de quem desejava desvendar um enigma:


— Como você conseguiu?


— Com um sapo.


— O quê?


— Coloquei um sapo no quarto, mesmo à noite eles fazem um bom trabalho à caça de um grilo. Gostam de comer um desses cantores danados.


Ela bateu na mesa, novamente transtornada.


— Eu não acredito, há dois dias dormindo com um cururu asqueroso dentro de casa? Pior — ela corrigiu apressada —, dentro de meu próprio quarto! É por isso que tive a nítida impressão na madrugada de hoje de tê-lo ouvido coaxar, mas pensei que eram os do riacho.


Eu, querendo minimizar o problema: ‘mas é um cururuzinho, é pequeno’.


— Mas ainda assim é um asqueroso cururu! Não vá pensando que vai ficar assim; trate de tirar esse cururu de nosso quarto, e é hoje!


Só assenti com a cabeça.


Já havia lido que quem gosta de sapo é cobra. Corri ao ofidiário. Tinha um amigo lá, com certeza ele me emprestaria uma serpente.


Ao ver minha cara assustada, Jorge depositou a cascavel na caixa telada para me socorrer.


— O que houve homem de Deus?!


—É a patroa, Jorge, cismou que quer uma jiboia para bicho de estimação.


—Mas isso é ilegal. Não há como arranjar uma. Se a fiscalização pega, é encrenca certa.


—Já falei isso pra ela, mas não há como tirar a ideia de sua cabeça. Mas se me emprestar uma, por uns dois diazinhos só, acho que ela pode desistir fácil, fácil. É só ver o trabalho que a bicha dá.


Com o Jorge foi fácil.


E não é que deu certo?


Ela amanheceu o dia radiante, cantarolando. Sem rodeios perguntou durante o café:


— É capaz de adivinhar a razão de meu bom humor?


— Prontamente, senhora.


— Então diga por que é — disse quase colando o rosto sorridente ao meu.


— As jiboias são predadoras naturais dos sapos. Elas não erram um bote. Na primeira noite pegou o sapo que eu não consegui encontrar escondido entre tantos móveis.


— Você pirou?! Está louco, quer me matar, é?! — gritou histérica, levantando-se de um salto. — Tire imediatamente aquela cobra de nosso quarto. O que vai inventar agora para tirá-la de lá, diga logo!


Tinha que manter a calma, não podia perder as estribeiras como ela. Alguém naquela casa tinha que continuar raciocinando. Mas a exigência dela me desorientava, por isso disse quase sem perceber, não vendo que ela desmaiava depois que falei:


— Agora tô enrolado, onde vou arranjar uma ema?










jjLeandro

Um comentário:

Angelo Bruno disse...

Eita poeta de cabeça fértil! Parabéns! Continue a enriquecer nossa literatura.
Angelo Bruno