domingo, 21 de fevereiro de 2010

O ASSALTO DA MEGA-SENA




Para ter sucesso como ladrão o sujeito tem que ter talento e prática. Isso não é apologia, nada disso, e todo mundo verá mais adiante o porquê dessa afirmação. Acontece que larápio trapalhão é o primeiro que se dá mal. Além disso causa muito riso em quem lê o noticiário policial nos jornais ou o ouve nas TVs. E justo uma notícia dessas me deu uma crise de riso outro dia.


Foi mais ou menos assim, estava lá no jornal:


Um fulaninho, iniciante no ofício, sem estágio com instrutor competente em umas paradas que o consumassem como ladrão finório, cismou de roubar uma agência lotérica. Escolheu para cúmplice outro palerma tão obtuso quanto ele. Armaram-se com velhos trabucos e foram à luta, melhor dizendo, ao roubo.


Em tempo: resolveram assaltar a agência lotérica porque não tiveram em mente outra opção melhor. Por muitos dias pensaram, pensaram, e nenhuma luz! Entre um cigarro e outro na sala do barraco do fulaninho matutaram e não conseguiram ver qualquer luz no fim do túnel. Já pensavam que roubar não era a deles pela imensa dificuldade para determinar um alvo e que devia ter também teste vocacional para assaltante. Enquanto tentavam elaborar a estratégia e determinar o alvo ouviam os xingamentos da mãe do fulaninho, pois sujavam o piso de cimento queimado que ela deixava brilhando quando voltava do serviço de doméstica.


Decidiram-se várias vezes, mas desistiam em seguida. Entre uma definição e um abandono, um toco de cigarro no chão. A mãe de Demísio — era esse o nome do fulaninho — soltava impropérios a cada bagana que lançavam ao chão, esquecendo-se que ela era uma das mães a quem injuriava.


—E se formos pedir umas opinião pro Téo? — disse o comparsa, cansado de pensar infrutiferamente.


—Tá louco?, ele é carta fora do baralho, veio. O homem caiu, tá na maior cana dura.


—Xiii! É verdade, tinha esquecido, mano.


—Bobeou ai nu’as parada e caiu.


—Não é bom pra conselheiro, foi mal — tentou corrigir o deslize.


—Sem problema, de boa.


O rádio ligado no último volume na cozinha miúda tocava funk. A irmã de Demísio lavava louças e ouvia música, vez ou outra arriscava acompanhar com a voz desafinada o refrão pobre da canção. Na hora cheia o locutor temperou a garganta e chamou o noticiarista. Entrou um repórter de voz apressada, disparando: “A Mega-sena acumulada vai pagar 61 milhões, o recorde deste ano. As filas nas lotéricas são quilométricas”.


Demísio olhou para o parceiro. Os olhares entraram em sintonia.


—Taí, mano — disse comemorando. — Achamo nossa mina de ouro, podes crer.


O parceiro abriu um sorrisão tornado ainda maior pela falta de dentes.


— Tô ligado! É pra enricar de uma só vez.


—Se é! — e Demísio não delongou mais, levantando para agir. Temia que outro tivesse a mesma ideia e chegasse na frente.






Feitos os derradeiros ajustes atravessaram a cidade para assaltar longe. ‘Manha de malandro’, comunicou Demísio ao sócio. Sem pestanejar este admitiu: ‘tu é o cara, podes crer!’ Umas voltas na velha motocicleta sem identificação na frente da agência lotérica de um bairro distante atestou a veracidade do que dissera o locutor: havia muito dinheiro em jogo; as filas eram grandes. Ademais, ali não havia risco de serem reconhecidos ainda que tirassem os capacetes. A cidade era grande, os dois tinham a mesma cara de fuinha de muita gente ali, e o retrato-falado apontaria qualquer um dos homens da longa fila de apostadores como autor do crime que iam cometer.


Largaram a moto encostada a uma palmeira do canteiro central da pista dupla com a chave no contato, confiando que ladrão não rouba ladrão, e entraram aos empurrões na agência lotérica. Protestos na grande fila e olhares dos dois marginais que queriam ser ferozes lançados de volta com dardos. ‘Deve ser assim que se faz, com maldade’, apostou o parceiro fechando a cara, sendo irremediavelmente traído pela arma bamba na mão. Ainda assim o povo na fila só percebeu que era um assalto depois que Demísio comunicou a ação:


—Para o chão! É um assalto, babacas!


Macáuli, nome esquisito do parceiro — desses de dar nó em delegado de polícia na hora do BO —, girava o corpo para todo lado, as pernas abertas e curvas, as duas mãos segurando o trambolho: “pro chão, pro chão, já disse!” A fila se desfez, os apostadores caíram em bolo uns sobre os outros.


— O saco, pô, o saco! — gritou Demísio para Macáuli.


Ele viu o que Demísio fazia e também tirou um saco de fibra para grãos do bolso interno da jaqueta de motoqueiro. Correram à moça do caixa, que desesperada levantou as mãos. Demísio bateu com o cano da arma no vidro, quebrando-o. A mulher deu um grito alucinado, ele exigiu silêncio: ‘calada, sua puta!’ Ela tremia como vara verde ao vento. Demísio lançou os dois sacos sobre o balcão e exigiu:


— Coloca aí dentro os 61 milhões da Mega-sena acumulada, tudo, ouviu? E ligeiro, que não tô pra brincadeira.


Foi quando a polícia chegou.

 
 
jjLeandro

Um comentário:

Lau Milesi disse...

Risos...e muitos. Adorei JJ!!!
Tão bom se esses ingênuos ladrões viessem para o Rio...

Um abraço e meus parabéns!!!!