sábado, 20 de setembro de 2008

AQUELA PONTE

Eu sempre olhei a ponte
Diante de minha janela
Com desconfiança.
É absurdamente grande,
Tão grande que atravessa o golfo
No mar
E não permite – numa ação de força -
Que os dois braços de terra se afastem.
Quando nasci já estava ali,
E temo que continue lá após mim.
Parece uma cobra a minha espreita.
Nunca dormi com a janela
Aberta, ainda que precise
Da brisa do mar
Para amenizar o calor
Nos dias de verão.
Não confio em quem
Guarda perpétuo silêncio.
E ela – quando muito –
Só emite grunhidos
Quando pesam sobre si
Os vagões de operários do trem da madrugada.
Ela some dentro da chuva torrencial
E então me invade
A esperança de que desapareça.
Mas quá!
Brilha em delírio após o temporal,
Lavada em sua alma metálica.
Não confio também
Em quem não acalenta flores
E dá lhufas ao asseio corporal.
Sobre o metal rígido da ponte
Os pássaros cagam o dia inteiro
E a fuligem de carros e trens
Que têm intimidade com ela
Camuflam com imundícies a
Sua verdadeira cor.
Ainda assim há homens
Que passeiam sobre ela
A pé, em bicicletas, em carrocinhas
Puxadas a cavalo nas frescas manhãs
Dos finais de semana
Beijando suas apaixonadas companheiras.
Desconfio que esteja ali só por minha causa.
Nunca ofendeu outrem
E creio que espera com isso me atrair.
Serei como meu pai
Que também habitava a colina
E me dizia sempre, até que a odiei,
Que a viu nascer
De um parto asqueroso,
Assistido por mil operários
Que manipulavam suas vigas de aço
Como ossos de um esqueleto.
“Um desprezível progresso”, opôs
Meu pai. Nunca a pisou, preferindo
Dar a volta na colina. Segui-lhe os passos.
Quando morreu, levei-o de barco através da baía
Ao cemitério do outro lado.
Quero fazer o mesmo roteiro
Quando for encontrá-lo.
Mas temo que meus filhos -
Que renegaram o ódio
À grande cobra - se apressem
Em me levar por ela.
Não quero que sinta o gosto supremo
Da vitória no ato derradeiro de minha
Vida.
Estou agora à espera do corretor para a venda da casa.
Em pouco tempo não mais porei os olhos sobre ela
E poderei dormir tranquilamente com a janela aberta.


jjLeandro

Um comentário:

Anônimo disse...

Leitores, colaboradores, amigos,

o Portal Literal está mudando – e, com ele, a maneira como se produz, divulga e conhece literatura no Brasil.

Inauguramos hoje, 1º. de Outubro, no endereço http://portalliteral.com.br, o primeiro espaço literário da Internet no Brasil totalmente integrado ao conceito da Web 2.0.

A reformulação do Portal Literal, que se torna agora totalmente integrado ao modelo colaborativo, inclui sistemas de comentários, mecanismos de indexação (tags) e distribuição de conteúdo por RSS, além das ferramentas para publicação de conteúdo por todos os usuários cadastrados.

O novo Portal Literal busca, portanto, agregar, organizar e difundir conteúdo literário pela web, de acordo com licenças de Creative Commons.

Permanecem como elementos estruturais deste Portal os acervos de Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, Zuenir Ventura, Ferreira Gullar e Luis Fernando Verissimo, precioso patrimônio histórico cultural e resultado de uma extensa pesquisa em seus arquivos pessoais.

É mantida também a produção exclusivamente editorial de nossa equipe, demarcada no site pelo selo Editorial em artigos, reportagens, entrevistas, nas Oficinas Literárias e no concurso mensal de contos Exercícios Urbanos que fazem grande sucesso entre nosso público.

Todo o conteúdo pode ser discutido no Blog da Redação, que é interativo e manterá os usuários informados sobre temas relativos ao site, permitindo que sugiram pautas para desenvolvimento e assuntos para debate.

O segmento colaborativo inclui um Banco de Cultura, em que agora podem ser submetidos diretamente ao site arquivos de texto, bem como áudio e vídeo, entre outros; permitindo, inclusive, a publicação online de obras inteiras bem como o download de livros de novos autores de língua portuguesa de qualquer parte do país e do exterior. A comunidade do Portal Literal conhecerá em primeira mão essas obras, que, com sua participação, ganharão visibilidade.

Nossos leitores passam, desta forma, a atuar como autores e editores de um novo Portal Literal, que construiremos juntos.

Escritores, editores, jornalistas, críticos, blogueiros, estudantes e professores ganham uma comunidade cultural online, inteiramente aberta às contribuições de seus integrantes, seja em prosa, poesia ou no debate em torno de nossa paixão em comum: a forma escrita.

Gratos,

Equipe Portal Literal.