terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

OUTRA AVENTURA DE PIERRE DESSAULT


Foto: Sebastião Marinho - México 1970 - (detalhe)



PENTALOUCO

A loucura que tomou conta dos brasileiros na conquista do pentacampeonato parece não ter parâmetro em nenhum momento de nossa história nem na história de outros povos. Valho-me de uma crônica de viagem para tentar explicar a euforia da qual também eu fui tomado com a vitória da seleção de futebol em gramados do Oriente, assegurando o quinto título mundial ao Brasil.
A crônica que vou transcrever do livro “Um franco nos trópicos” de Pierre Dessault, tão obscuro quanto o livro e a editora de Toulon, havia quase quinze
anos, jazia entre os livros de minha biblioteca desde que o adquiri de um sebo em uma de minhas tantas viagens, e expressa a estupefação de um francês (nenhuma coincidência com 1998 — ele foi publicado em 1972) com o nosso fanatismo pelo futebol. Está carregada das fortes cores de um pastiche que procura imitar a façanha dos compatriotas Debret e Rugendas e do alemão Humboldt. Dessault começa assim: “Nunca vi tanto fanatismo em um povo. Talvez um paralelo para melhor entendimento — mas ainda acho pouco — possa ser feito com a paixão dos espartanos pela guerra e dos americanos por hambúrguer e coca cola.
O Brasil vivia o clima de mais uma Copa quando por lá estive, as ruas coloriam-se de verde-amarelo, as pessoas nas ruas não comentavam outro assunto e deixavam-nas vazias em dias de jogo. Falar mal da seleção era correr risco de linchamento — ainda maior sendo estrangeiro. O fanatismo criou no povo hábitos peculiares: ele consegue não trabalhar em dias de jogo e feriar após as vitórias; aliás, após as vitórias as ruas e praças entupiam-se de um povo alegre, festivo, cheio de mesuras e concessões, ansioso apenas de ver a supremacia de seu futebol assinalada. Festejavam loucamente como Napoleão festejava seus triunfos militares; mas os feitos do Imperador eram mais significativos.
Entediado com aquelas cenas que não me entusiasmavam (prefiro os marciais desfiles pelo Dia da Vitória sob o Arco do Triunfo), resolvi ir a uma igreja para fugir a tanta atribulação.
Era um dia nervoso. Senti isso na recepção do hotel no Rio de Janeiro: os recepcionistas pareciam não entender o que os hóspedes — quase todos estrangeiros — diziam. E não era pela barreira intransponível do idioma, ouviam atentamente o que dizia o rádio. O Brasil disputaria dali a instantes mais uma final de Copa. A aflição e a expectativa antecediam no semblante dos brasileiros a alegria consagradora das vitórias. À saída do hotel demorei a encontrar um táxi, e quando o encontrei logo soube por que: o motorista era português. Os últimos carros dobravam céleres as esquinas. Ninguém mais era visto nas ruas. A cidade estava deserta. As bandeiras brincavam com o vento nas marquises dos prédios e janelas dos apartamentos. Ainda antes de conseguir um táxi os fogos de artifício estouraram várias vezes. Era bom sinal para os brasileiros: a seleção estava vencendo.
Consegui um carro. Por alguns minutos ouvi apenas o chiado dos pneus do táxi sobre o asfalto e o cantarolar monótono de um fado com o qual o motorista tentava quebrar o silêncio. Desci na igreja da Candelária. A beleza da igreja não me impressionou tanto quanto vê-la quase vazia na hora da missa. Umas poucas velhinhas, duas ou três jovens senhoras com crianças e três homens compunham a assistência quando cheguei. Ninguém entrou depois. O padre rezava a missa mas — absurdo! — tinha sobre o mantel um rádio ligado no jogo. O nervosismo era grande em todos: o padre italiano de vasta calva suava abundante e tropeçava no péssimo português seguidamente. Os fiéis pareciam não ligar ao que ele dizia: estava claro que ouviam a frenética voz do locutor. E o locutor invadia a nave com sua voz mais potente que todas as trombetas de Jericó: ‘Torcida brasileira, o jogo está próximo do fim...espetacular jogada de Clodoaldo, ele lança Pelé pelo miolo, o rei livra-se de um marcador e rola a bola em diagonal para a penetração de Carlos Alberto....o capitão dispara uma bomba: é gooooo...’
O ato seguinte foi inédito para mim. O padre não deixou o locutor terminar o grito de gol e meteu a mão no rádio com muita raiva, derrubando-o de sobre o altar. Ao mesmo tempo, como impulsionados por uma única e potente mola, as velhinhas, as senhoras com as crianças e os três velhos levantaram-se e correram para a rua. Gritavam em uníssono pela nave afora: é tri, é tri, é tri.
Os fogos de artifício espocaram pela cidade como uma grande barragem de fogo de artilharia. O Brasil selava a vitória contra a Itália no México. Eu também deixei a igreja depois de presenciar o padre seguir silencioso e cabisbaixo para a sacristia. Não havia mais razão para continuar a missa. Sob o altar o rádio zoava ininteligível. Fui direto para o aeroporto. Era demais para mim.”
E essa foi apenas a comemoração do tricampeonato, imagine se esse francês presenciasse a nossa comemoração do penta. Pentalouqueceria.






MAIS jjLeandro





http://jjleandro.blog.terra.com.br/





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AVISO AOS AMIGOS





A partir de 28 de fevereiro estarei viajando até 10 de março. Dias em que o blog ficará sem atualização, mas espero contar sempre com a presença dos amigos.





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9 comentários:

Carlos Eduardo Teixeira C disse...

Grande Leandro,

Passei aqui pra agradecer pela sua mensagem deixada no interlúdios. Muito obrigado, grande mestre!

Grande abraço!

Osvaldo Barreto disse...

Leandro, estaremos esperando a volta do poeta ansiosos e a saudade não é só para os que vão, mas também os que ficam. Volte logo e traga os seus belos textos na mala, ou melhor, no coração. Enquanto isso estaremos nos deliciando com o seu blog esperando a renovação.
Um grande abraço.
Osvaldo

Giovani Iemini disse...

Ahá, então é aqui seu rincão!
[]s

Verena Sánchez Doering disse...

las gracias te los doy yo por tus saludos en Sucesos, por traducir al portugues lo que habia escrito y tu poema de regalo
tienes un blog muy lindo y leer tu poesia a sido de mucho gusto para mi
admiro tu pais, admiro tu idioma que lo encuentro maravilloso y admiro el bossanova y los versos de Vinicius
gracias y me alegra conocer un poeta como tu
las fotos maravillosas y los lugares que muetsras son muy bellos
veo que en estos momentos estas de viaje
te dejo un abrazo muy grande y gracias por tus regalos
que sea un lindo dia domingo
besitos


besos y sueños

Verena Sánchez Doering disse...

yo no soy poeta, pero escribo poesia en un blog con poetas portugueses
yo escribo dejando hablar el alma
gracias por tus saludos
un abrazo, besitos



besos y sueños

Verena Sánchez Doering disse...

gracias por la traduccion de Sueño contigo...sueña conmigo al portugues
se lee bello y se ve hermoso
muchas gracias por tus saludos y que estes muy bien
besitos


ahhhh lees a Saramar, ella esta conmigo en el blog de poesias con los poetas portugueses


besos y sueños

Verena Sánchez Doering disse...

que increible es este mundo, une la geografia y se encuentran lindos amigos
me alegra saber que conoces a Saramar, ella escribe muy lindo
estuve en la web me enviste
te doy las gracias por tus saludos en Escuridao y la traduccion de ese poema
la verdad que para mi es un honor estar con poetas en ese blog
veo que sabes español y me alegra
que tu viaje continue lindo
y gracias
besitos y una linda semana



besos y sueños

CEL disse...

Muchas gracias por la delicadeza de traducir mis sentimientos al portugues "Mi abuela", se lee dulce.
Un saludo.

Anônimo disse...

Muito obrigado, muchas gracias por tu paseo por mi blog y tu cariñoso comentario. Espero que disfrutes de tus vacaciones. A la vuelta espero verte de nuevo.
Un beso