E O ZELÂNDIO SE DEU MAL
Caramba, entre outras coisas é necessário estar completamente ligadaço na vida.
Tenho um amigo, cara jovem, curtidor, desligadão de tudo. Mas estava a fim de sair da dureza - em meu tempo era pindaíba. Não deu outra: cara superinteligente pro lado da informática, começou a fazer uns bicos para uns colegas que insistiam muito que gravasse CD e DVD para eles. Inicialmente a coisa fluiu com naturalidade, não cobrava um centavo. Até acanhava-se quando os amigos propunham isso. Traziam apenas o CD ou o DVD, e ele gravava. Depois, ante a recusa de um adjutório(porra, podia ter posto somente auxilio, mas tudo bem), era só um daqueles cumprimentos maneros e tava tudo resolvido. Os amigos iam embora, ligavam depois para elogiar o favor. Ele, claro, era só vaidade.
Mas quando estava com os amigos nos botecos da vida, mais uma vez acanhava-se. E o dinheiro para a vaquinha? Não tinha! Revirava os bolsos, só teias de aranha. Encabulava-se. Os amigos olhando assim, a cara meio torcida, como quem pensa: ‘Pô, o Zelândio, uma vez mais em nossas costas? E como o cara bebe!’ Era hora de dar um basta nessa dureza.
Como os amigos estavam sempre a sua porta, um CD ou DVD à mão, e ele todo solícito gravando tudo, a procura aumentou. E claro, com os amigos não se incomodava. É aquela velha história, embora nem todos fossem concessivos, uma mão lava a outra, bastava que lembrasse dos rolés nos botecos. Mas era preciso tomar uma iniciativa para sair do atoleiro, tipo tração nas quatro rodas para arrancar. Foi quando traçou a primeira estratégia: para os amigos continuaria gravando de graça; para os amigos dos amigos, começaria a cobrar. E não é que funcionou?!
Amigo trazia amigo e o Zelândio começou a botar umas pratas no bolso. Claro que coisa pouca ainda. Mas já dava para o cinema com a Magali, a namorada magrinha, carinha pálida de adolescente que cresce rápido e alimenta-se de niquices, o rosto marcado de cravos. Mas Zelândio lá era homem de ligar para isso. Era também um salsichão, comprido, braços descomunais de adolescente que se estende desproporcionalmente. Para ele a graça era a Magali sob seus braços e umas beijocas no escurinho. O resto era mímica, bolinação e gemidos. Se arranjavam, e bem. Já podia também sair com os amigos, claro, sem esbórnia, e colaborar na divisão da conta nos botecos ou boates. A isso deu valor e achou-se importante.
Tornou-se um pouco presunçoso ao sentir que tinha um certo tino empresarial. Por que não descobrira isso antes? Quanto lhe custara esse embotamento? Não queria nem pensar. Tinha agora era que ser presto no atendimento à clientela, e ponto final.
Matutava em como aumentá-la ainda mais. A velha lógica de capitalista o pegara em cheio: dinheiro atrai dinheiro e vamos indo. Pegou uma cartolina, um pincel atômico, garatujou umas letras e pregou no muro de casa, ao lado do portão pequeno de entrada: “Gravo CD e DVD”. Parece que muita gente botou o olho no cartaz acanhado e mal-ajambrado. Já não eram somente os amigos ou os amigos que aqueles traziam a sua clientela. Tornou-se diversificada: professores, alunos, donas-de-casa, mocinhas atrás de gravar fotos de um book e por aí afora. Mas muita gente ainda lhe perguntava: você grava só CD com textos ou músicas também? Com tais dúvidas estava claro que o cartaz lá fora deixava muito a desejar. Foi lá e trocou a cartolina por um pedaço de TNT, esse material sintético usado em faixas: “Gravo CD e DVD de todo tipo. Grave dois e ganhe um”. Foi batata: a clientela aumentou ainda mais com o esclarecimento e a promoção. O carro-chefe do negócio passou a ser filmes e músicas. Instalou mais dois drivers na CPU e assim já podia gravar muito mais. Em poucos dias novamente melhorou o marketing: retirou o TNT do muro de casa e mandou imprimir uma faixa tipo banner, colorida e atraente, com algumas imagens, onde estava escrito: “Gravo filmes e músicas em CD e DVD. Tenha no conforto de casa, antes de locadoras e cdtecas, os últimos lançamentos.” O negócio do Zelândia embalou tanto que em poucos dias recebeu a visita da Polícia Federal. O agente encarregado de sua prisão disse apenas: “Rapaz, praticando assim a pirataria escancarada, às vistas de todos, que cara-de-pau!” Zelândio passou um bom tempo preso. Mas mesmo depois de solto continuou achando que a inveja de algum concorrente que não tinha a sua impetuosidade fora a causa de sua desgraça. A quem quisesse ouvir, dizia sempre: “A inveja mata!”
segunda-feira, 29 de janeiro de 2007
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2 comentários:
Muito bom, Leandro!!
Porém acho que Zelândio devia ter corrompido os guardas e oferecido participação no negócio. Rsss... Então a própria policia faria a distribuição da pirataria. Rsss....
Não, não... É uma brincadeira. Esqueça isso!!! Eu só estava brincando. Rsss.... O texto é ótimo e o nome “Zelândio”é muito legal. Parabéns!!!!
Leandro, mas você escreve muito bme!
Que prazer ler este conto!
Muito, muito bom!
Voltarei, claro.
beijos
P.S. Obrigada!
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