Que idade tem a corrupção entre nós? Atesto que de tal maneira é um mal histórico em nossa terra que nos desonrou como pecado original. Isso mesmo. Não foi Pero Vaz de Caminha, um burocrata de Sua Alteza, quem nos ensinou o caminho das pedras? Ele inaugurou o tráfico de influência, e, na maior cara de pau, com recibo passado e tudo.
Depois de tecer loas às belezas da nova terra – verdadeiras, de fato -, o escriba da esquadra de Cabral, no fecho da reportagem com que faria crescer os olhos de Dom Manuel para as nossas possibilidades futuras, pôs lá a sua pretensão a Sua Alteza: “peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro”.
Mas não pensem que a coisa parou por aí. Se isso tivesse acontecido, ah! que bom. A corrupção cresceu e se aperfeiçoou durante a Colônia. Quem não se lembra que fomos o primeiro território do Novo Mundo cuja economia foi conspurcada permanentemente pelo tráfico e os favores? As capitanias hereditárias não foram mais que um grande escândalo de favorecimento real. E o tráfico do pau-brasil, um dos mais importantes de toda a nossa existência, empregou com porfia nativos, franceses e até portugueses degredados para abaixo da linha do Equador. Estes, sem dúvida alguma, os nossos primeiros PhDs. Será que a ironia de Chico Buarque “não existe pecado do lado de baixo do equador” confirma uma conduta que se mantém até hoje?
Pois bem, de tal modo a corrupção estava descontrolada, como as formigas naquela célebre frase que muitos atribuem ao viajante francês August de Saint-Hilaire que esteve por aqui no século XIX, “ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”, que um governador do Rio de Janeiro pirou. Foi o capitão Luís Vahia Monteiro (1725-1732), que numa carta a Dom João V deplorou a lamentável prática, dizendo: “nesta terra todos roubam; só eu não roubo”. Se foi realmente inimigo da bandalheira, não há registro. O certo é que foi defenestrado em 1732, dizem que louco. Será que foi mais um Dom Quixote investindo solitário contra moinhos de vento?
Não pensem os ingênuos que o Império do Brasil esteve livre da corrupção. De modo algum, como esquecer 300 anos de boa escola? Nem aqui, nem em Portugal. Pedro I negociava com os ilustres deputados, pessoalmente, para votos ao Ministério quando a coisa periclitava. O que levavam, no toma-lá-dá-cá, os nobres do Parlamento? Com certeza não somente tapinhas de muito obrigado às costas. Até uma eminência parda traficava no Império: Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos. Os historiadores dizem que ela usava o grande prestígio que tinha com o Imperador para negociar até nomeações. E pasmem: parece que foi ela a inventora do confisco de parte dos salários dos nomeados, como fazem hoje muitos partidos e políticos com seus assessores, a título de colaboração.
Nos tempos sombrios do “Brasil: ame-o ou deixe-o” a Ditadura Militar, ocupada integralmente com a paranóia subversiva, deixou campo fértil à corrupção. Eram tempos em que resguardada a obediência política aos generais, tudo era permitido. A frase atribuída ao presidente Artur Bernardes (1922-26): “aos amigos, tudo; aos inimigos, o rigor implacável da lei”, apropriada como prática política pelo caudilho nordestino Antônio Carlos Magalhães (ACM), que a resumiu em “para os amigos, tudo. Para os inimigos, a lei” dava a exata dimensão da seriedade política naquele período e por muitos tempos depois. Lembro que o deputado Lysâneas Maciel propôs uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a corrupção no regime. O que aconteceu? Escolha uma das respostas: a) a CPI foi instalada sob aplausos; b) ele foi cassado. Acertou quem escolheu a opção “b”.
Não se iludam os que pensam que a corrupção é nova entre nós e os recentes escândalos são a sua prova. Então muita gente poderá dizer: passados 500 anos, o legado de nossa história é a corrupção? Claro que não. Mas uma coisa é certa: conhecer a fundo essa doença, suas origens e suas conseqüências, é a melhor maneira de combatê-la, e com grande responsabilidade pois, a despeito da longevidade, ela permanece forte e atuante. E ninguém pode, para o bem do Brasil, procrastinar mais essa guerra.
Um comentário:
- Olá!
- Genial o teu texto. A corrupção deixa marcas no social e na política. Tem raízes profundas e a origem está mo legado deixado pelos que invadiram estas terras a 500 anos. Na realidade podemos dizer que convivemos com a corrupção a mais de 500 anos. Por ocasião da independência, quem ficou na frente foi um monarca estrangeiro e herdeiro do trono português. A monarquia escravagista nos enterrou com empréstimos vergonhosos feito ao banco dos Rotschield. A República foi instalada, mas o povo não participou. Continuaram e continuam aprimorando a corrupção. A educação sempre foi motivo de piada, muito diferente do que ocorria nos EUA e Europa. O resultado está estampado no teu texto.
- Se não houver mudanças drásticas na educação, mais cidadania e menos individualismo, o povo ignaro continuará a eleger bandidos e escória de todo o tipo possível.
- Gustava Barroso a mais de 50 anos nos deixou uma obra interessante, cujo o título é "BRASIL COLÔNIA DE BANQUEIROS". Mais recentemente (1994) o Mestre em Direito Sérgio Habib nos presenteou com a obra "BRASIL QUINHENTOS ANOS DE CORRUPÇÃO". Após a leitura dessas obras, temos a impressão de que as coisas pouco mudaram em termos de ética, moral e locupletamento em cima do erário público. A diferença fica por conta da tecnologia aprimorada com poucos incluídos e a maioria de excluídos dentro da nova ordem globalizada.
- Até quando os verdadeiros cidadãos irão aguentar a hipocrisia dos políticos seguidores de Maquiavel?
- Será que o escritor Ignácio de Loyola Brandão estaria com a razão quando escreveu o livro "NAO VERÁS PAÍS NENHUM" (1974) proibido no Brasil, mas publicado na Itália?
- Parabéns pelo texto. Vou te adicionar no meu Blog.
- Aproveitando o momento gostaria de publicar no meu blog a poesia "RÉQUIEM À FLORESTA".
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