sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

POR QUE ENTERRAMOS OS CORPOS MORTOS



Enterramos os corpos



Mortos


Porque só restam ossos


Após nós.


E não seria de bom alvitre


Eles, que passam toda a vida


Enterrados em nossos corpos,


Andarem por aí desnudos


Com o nosso fim.


Sepultos estarão


De conformidade


Com o fim


Para o qual foram criados:


Sustentar e não aparecer.


jjLeandro

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

QUADRADOS E RETÂNGULOS


Quadrados e Retângulos é o nome desta tela, que num momento de devaneio plástico, eu fiz. Só agora resolvi mostrá-la aqui.
Noutra oportunidade eu mostro mais outras.


jjLeandro

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O ASSALTO DA MEGA-SENA




Para ter sucesso como ladrão o sujeito tem que ter talento e prática. Isso não é apologia, nada disso, e todo mundo verá mais adiante o porquê dessa afirmação. Acontece que larápio trapalhão é o primeiro que se dá mal. Além disso causa muito riso em quem lê o noticiário policial nos jornais ou o ouve nas TVs. E justo uma notícia dessas me deu uma crise de riso outro dia.


Foi mais ou menos assim, estava lá no jornal:


Um fulaninho, iniciante no ofício, sem estágio com instrutor competente em umas paradas que o consumassem como ladrão finório, cismou de roubar uma agência lotérica. Escolheu para cúmplice outro palerma tão obtuso quanto ele. Armaram-se com velhos trabucos e foram à luta, melhor dizendo, ao roubo.


Em tempo: resolveram assaltar a agência lotérica porque não tiveram em mente outra opção melhor. Por muitos dias pensaram, pensaram, e nenhuma luz! Entre um cigarro e outro na sala do barraco do fulaninho matutaram e não conseguiram ver qualquer luz no fim do túnel. Já pensavam que roubar não era a deles pela imensa dificuldade para determinar um alvo e que devia ter também teste vocacional para assaltante. Enquanto tentavam elaborar a estratégia e determinar o alvo ouviam os xingamentos da mãe do fulaninho, pois sujavam o piso de cimento queimado que ela deixava brilhando quando voltava do serviço de doméstica.


Decidiram-se várias vezes, mas desistiam em seguida. Entre uma definição e um abandono, um toco de cigarro no chão. A mãe de Demísio — era esse o nome do fulaninho — soltava impropérios a cada bagana que lançavam ao chão, esquecendo-se que ela era uma das mães a quem injuriava.


—E se formos pedir umas opinião pro Téo? — disse o comparsa, cansado de pensar infrutiferamente.


—Tá louco?, ele é carta fora do baralho, veio. O homem caiu, tá na maior cana dura.


—Xiii! É verdade, tinha esquecido, mano.


—Bobeou ai nu’as parada e caiu.


—Não é bom pra conselheiro, foi mal — tentou corrigir o deslize.


—Sem problema, de boa.


O rádio ligado no último volume na cozinha miúda tocava funk. A irmã de Demísio lavava louças e ouvia música, vez ou outra arriscava acompanhar com a voz desafinada o refrão pobre da canção. Na hora cheia o locutor temperou a garganta e chamou o noticiarista. Entrou um repórter de voz apressada, disparando: “A Mega-sena acumulada vai pagar 61 milhões, o recorde deste ano. As filas nas lotéricas são quilométricas”.


Demísio olhou para o parceiro. Os olhares entraram em sintonia.


—Taí, mano — disse comemorando. — Achamo nossa mina de ouro, podes crer.


O parceiro abriu um sorrisão tornado ainda maior pela falta de dentes.


— Tô ligado! É pra enricar de uma só vez.


—Se é! — e Demísio não delongou mais, levantando para agir. Temia que outro tivesse a mesma ideia e chegasse na frente.






Feitos os derradeiros ajustes atravessaram a cidade para assaltar longe. ‘Manha de malandro’, comunicou Demísio ao sócio. Sem pestanejar este admitiu: ‘tu é o cara, podes crer!’ Umas voltas na velha motocicleta sem identificação na frente da agência lotérica de um bairro distante atestou a veracidade do que dissera o locutor: havia muito dinheiro em jogo; as filas eram grandes. Ademais, ali não havia risco de serem reconhecidos ainda que tirassem os capacetes. A cidade era grande, os dois tinham a mesma cara de fuinha de muita gente ali, e o retrato-falado apontaria qualquer um dos homens da longa fila de apostadores como autor do crime que iam cometer.


Largaram a moto encostada a uma palmeira do canteiro central da pista dupla com a chave no contato, confiando que ladrão não rouba ladrão, e entraram aos empurrões na agência lotérica. Protestos na grande fila e olhares dos dois marginais que queriam ser ferozes lançados de volta com dardos. ‘Deve ser assim que se faz, com maldade’, apostou o parceiro fechando a cara, sendo irremediavelmente traído pela arma bamba na mão. Ainda assim o povo na fila só percebeu que era um assalto depois que Demísio comunicou a ação:


—Para o chão! É um assalto, babacas!


Macáuli, nome esquisito do parceiro — desses de dar nó em delegado de polícia na hora do BO —, girava o corpo para todo lado, as pernas abertas e curvas, as duas mãos segurando o trambolho: “pro chão, pro chão, já disse!” A fila se desfez, os apostadores caíram em bolo uns sobre os outros.


— O saco, pô, o saco! — gritou Demísio para Macáuli.


Ele viu o que Demísio fazia e também tirou um saco de fibra para grãos do bolso interno da jaqueta de motoqueiro. Correram à moça do caixa, que desesperada levantou as mãos. Demísio bateu com o cano da arma no vidro, quebrando-o. A mulher deu um grito alucinado, ele exigiu silêncio: ‘calada, sua puta!’ Ela tremia como vara verde ao vento. Demísio lançou os dois sacos sobre o balcão e exigiu:


— Coloca aí dentro os 61 milhões da Mega-sena acumulada, tudo, ouviu? E ligeiro, que não tô pra brincadeira.


Foi quando a polícia chegou.

 
 
jjLeandro

sábado, 20 de fevereiro de 2010

ETERNA OBSESSÃO

.


ETERNIDADE

Espera!
Enquanto o tempo
não finda
o segundo
anterior ao fim
é eternidade
ainda.

jjLeandro

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O GRILO E COMPANHIA




Saibam todos a complicação que deu eliminar aquele grilo do meu quarto. Se o quarto fosse somente meu, ele ficaria por lá o tempo que quisesse. Talvez não resistisse uns três dias, avaliava. Era uma aposta óbvia. Teria que sair pois dificilmente encontraria comida por ali. Meu quarto era um deserto para ele, e sem comida não poderia exercitar o seu canto irritante dias a fio com tanta força e constância. Mas minha esposa já andava incomodada e sem paciência. Todas as três noites em que o grilo cricrilou ela acordou... e eu também. Não acordei com o canto do grilo nem em solidariedade a ela...é que ela metia o cotovelo em minhas costelas e eu acordava assustado de um sonho em que um caminhão me atropelava.


Antes de me recuperar do susto, ela dizia zangada:


—Quando amanhecer, você caça esse grilo!


No primeiro dia, juro, tentei, mas, ah inseto esperto! O bicho só cantava à noite. Durante o dia não denunciava por nada o seu esconderijo. Não adiantou vasculhar o guarda-roupa, afastar os outros móveis, desmontar a cama, sacudir as cortinas. Se não achei o grilo, encontrei a aliança que havia perdido há dias e por isso ela me ameaçava retaliar com abstinência à cama. Mas ainda assim as três noites foram de agonia e péssimo sono.


Na terceira noite ela disse categórica: ‘amanhã você não dorme aqui se não achar o maldito grilo!’ Então eu tive que me virar pra valer e ser criativo. É bom que eu explique: moro ao lado de um córrego e nas margens dele os sapos coaxam a noite toda. Ainda mais agora no verão com essa fartura de chuva. Bem, sei que eles têm uma predileção alimentar por grilos, por isso fui tentar pegar um por lá. Foi minha mulher me ver entre o mato do riacho para gritar furibunda da cerca: ‘você tá brincando, tá? Em vez de caçar o grilo tá aí no riacho de bobeira! Vai ficando, vai, à noite se o grilo cantar umazinha vez, sofá para você!' Fiquei na minha, manhoso. Não imaginava ela que procurava um caçador infalível de grilos.


Ela saiu para o trabalho e eu capturei um sapo. Deu um trabalho danado, também o maldito batráquio sabe se esconder. Não quer ser presa fácil. E não é para menos, com tantos predadores à espreita a regra número um da vida é ter uma boa camuflagem.


O que eu sei mesmo é que na quarta noite o grilo não cantou. Nem na quinta. Ela comentou toda sorridente no café da manhã após a segunda noite sem grilo:


— Não vê nada diferente em mim?


Juro que a olhei da cabeça aos pés numa busca desesperada, mas não podia mentir.


— Não!


Sacudindo a cabeça, ela arregalou os olhos e a boca exprimiu um sorriso contente.


— Não tenho olheiras hoje, e sabe por quê?


Eu outra vez desinteressado:


— Não!


— Benzinho, é que você finalmente deu cabo do grilo — disse dengosa e me tascou um baita beijo na boca.


Depois perguntou com cara de quem desejava desvendar um enigma:


— Como você conseguiu?


— Com um sapo.


— O quê?


— Coloquei um sapo no quarto, mesmo à noite eles fazem um bom trabalho à caça de um grilo. Gostam de comer um desses cantores danados.


Ela bateu na mesa, novamente transtornada.


— Eu não acredito, há dois dias dormindo com um cururu asqueroso dentro de casa? Pior — ela corrigiu apressada —, dentro de meu próprio quarto! É por isso que tive a nítida impressão na madrugada de hoje de tê-lo ouvido coaxar, mas pensei que eram os do riacho.


Eu, querendo minimizar o problema: ‘mas é um cururuzinho, é pequeno’.


— Mas ainda assim é um asqueroso cururu! Não vá pensando que vai ficar assim; trate de tirar esse cururu de nosso quarto, e é hoje!


Só assenti com a cabeça.


Já havia lido que quem gosta de sapo é cobra. Corri ao ofidiário. Tinha um amigo lá, com certeza ele me emprestaria uma serpente.


Ao ver minha cara assustada, Jorge depositou a cascavel na caixa telada para me socorrer.


— O que houve homem de Deus?!


—É a patroa, Jorge, cismou que quer uma jiboia para bicho de estimação.


—Mas isso é ilegal. Não há como arranjar uma. Se a fiscalização pega, é encrenca certa.


—Já falei isso pra ela, mas não há como tirar a ideia de sua cabeça. Mas se me emprestar uma, por uns dois diazinhos só, acho que ela pode desistir fácil, fácil. É só ver o trabalho que a bicha dá.


Com o Jorge foi fácil.


E não é que deu certo?


Ela amanheceu o dia radiante, cantarolando. Sem rodeios perguntou durante o café:


— É capaz de adivinhar a razão de meu bom humor?


— Prontamente, senhora.


— Então diga por que é — disse quase colando o rosto sorridente ao meu.


— As jiboias são predadoras naturais dos sapos. Elas não erram um bote. Na primeira noite pegou o sapo que eu não consegui encontrar escondido entre tantos móveis.


— Você pirou?! Está louco, quer me matar, é?! — gritou histérica, levantando-se de um salto. — Tire imediatamente aquela cobra de nosso quarto. O que vai inventar agora para tirá-la de lá, diga logo!


Tinha que manter a calma, não podia perder as estribeiras como ela. Alguém naquela casa tinha que continuar raciocinando. Mas a exigência dela me desorientava, por isso disse quase sem perceber, não vendo que ela desmaiava depois que falei:


— Agora tô enrolado, onde vou arranjar uma ema?










jjLeandro

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O CARNAVAL - Já falei disto aqui


Leia a crônica aqui mesmo neste blog sobre o Carnaval e o que pode aflorar nestes dias de folia!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O CHORO DE HÉRCULES




Vago num oceano


De lágrimas.


Quem o chorou


Estava desesperado de amor


Ou chorou por todos


O futuro aziago?






Quando o desafiei


Com a minha condição humana,


Ele já era assim – imenso.


E só Hércules,


O dos trabalhos impossíveis,


Poderia tê-lo chorado.


Mas que não tenha sido


Por um trabalho frustrado.


Que antes tenha sido


Por amor,


A única possibilidade


Em que vale a pena


chorar – e tanto.


jjLeandro